Após o impeachment de Dilma Rousseff, o foco no Congresso Nacional se volta para o ajuste fiscal e para as reformas propostas pelo governo Michel Temer para tentar tirar a economia do atoleiro. Temer quer acelerar a tramitação desses projetos, em especial a PEC que institui um teto para os gastos públicos e a reforma da Previdência. Analistas econômicos e líderes partidários no Congresso, porém, prevêem que o caminho não será fácil.
Nesta quinta-feira (1º) a agência de classificação de risco Moody's afirmou, em nota, que a confirmação do impeachment de Dilma pelo Senado "remove um elemento de incerteza que pesou sobre a economia do país nos últimos meses." Entretanto, prevê que Temer terá dificuldades para recolocar a economia nos trilhos.
"A substituto Michel Temer ainda enfrenta desafios significativos na implementação das reformas necessárias para a melhora do perfil de crédito do Brasil", diz a Moody's Investors Service na nota.
Essa também é a opinião de líderes partidários no Congresso - inclusive da base aliada - ouvidos pelo G1. Na Câmara, a percepção dos líderes é de que um consenso sobre as matérias está longe, ainda mais em ano eleitoral.
No caso da PEC do teto de gastos, a avaliação é que só depois do segundo turno há uma chance de ser colocada em votação. “É uma proposta que mexe com os recursos de saúde e educação. Num momento de eleição, vai ser muito duro votar um tema como esse”, opina um líder governista.
Outro aliado do Palácio do Planalto também avalia que a tramitação não será fácil. “A proposta já tem muitas emendas apresentadas pela própria base, o que já demonstra um pouco do humor da base”, observa.
Sobre a Reforma da Previdência, o embate no Congresso será ainda mais forte. “Esse ano não avança. Eu acho que só o ano que vem e olhe lá. E vai ser um ano inteiro de discussão. Agora, se deixar para 2018, ano eleitoral, aí que não passa mesmo. É 2017 ou nada”, pondera outro líder governista.
Dívida dos estados
A tramitação pela Câmara do projeto que trata da renegociação da dívida dos estados com a União foi uma demonstração do que o governo deve enfrentar. O texto-base da proposta só foi aprovada pelos deputados depois de um recuo de Temer, que aceitou retirar uma das duas contrapartidas exigidas dos governadores: a proibição de reajustes a servidores estaduais por um período de 2 anos.
Além disso, as propostas do ajuste fiscal encontram um Congresso ainda impactado pelo processo de impeachment. Em seu discurso de despedida, Dilma Rousseff afirmou que lutará contra o novo governo. "Ouçam bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer", declarou.
O presidente Michel Temer, por sua vez, fez referência à decisão do Senado que rejeitou penalizar Dilma com a inelegibilidade e a proibição para exercer cargos públicos, e cobrou coesão da base aliada. Ele disse que é "inadmissível" a divisão de votos que permitiu que a petista mantivesse os direitos políticos, episódio que chamou de "pequeno embaraço" na base governista.
Ajuste fiscal enfrente críticas
O ajuste fiscal, centralizado na devolução de recursos do BNDES (única medida de curto prazo), na PEC do teto de gastos públicos, na reforma da Previdência e na renegociação das dívidas dos estados, enfrenta críticas, resistências e atrasos no seu desenvolvimento, o que tem contribuído para piorar a percepção dos investidores e elevar o tom das críticas.
O retorno ao Tesouro de R$ 100 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ainda não foi implementado. O teto para gastos públicos - considerado um dos pilares do ajuste fiscal - entrou na alça de mira de analistas que, entre as críticas, apontam que a medida tem efeito limitado no curto prazo. Além disso, o governo já teve que ceder na renegociação das dívidas dos estados com a União.
A reforma da Previdência Social, considerada fundamental para tentar reequilibrar as contas públicas, também caminha a passos lentos. O governo, que antes defendia a validade das novas regras para todas categorias, amenizou o discurso e, recentemente, indicou que os militares continuarão a ter um regime diferenciado.
Ao mesmo tempo em que defende o ajuste e a necessidade de corte de gastos, o governo sancionou medidas que geram aumento de gastos. Reajustou o benefício do Bolsa Família e salários para os servidores federais, com impacto acima de R$ 70 bilhões nos próximos anos, e informou que novos aumentos serão concedidos. Além disso, também concedeu reajuste para a tabela do Imposto de Renda, em um afago à classe média e alta.
Essas decisões contribuem para os rombos fiscais de R$ 170,5 bilhões estimado este ano e de R$ 139 bilhões para 2017 - os maiores da história.
O que dizem os analistas
Para o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), José Márcio Camargo, os reajustes salariais para servidores dificultam o ajuste fiscal.
Para ele, os investidores estão começando a ficar impacientes com a demora da implementação das propostas do governo que estão sendo enviadas ao Congresso, e isso pode afetar o preço dos ativos, como o patamar da Bolsa de Valores e o preço do dólar.
"Depois que aprovar o impeachment, o mercado vai cobrar mais do governo, que ele seja capaz de aprovar as medidas anunciadas", disse. "Agora o governo tem um discurso coerente, mas a dúvida é se vão conseguir fazer ou não", concluiu ele.
Segundo Fabio Klein, analista de Finanças Públicas da Tendências Consultoria, o mercado tinha uma expectativa de que, sob o comando de Temer, o governo seria mais "pró-austeridade" fiscal.
"As propostas vieram, mas de concreto foi feita uma serie de concessões e flexibilizações para além do que se esperava. Isso gera incerteza sobre a capacidade que o governo vai ter de avançar em concreto em uma agenda que não é fácil", avaliou ele.
No curto prazo, observou o economista, Temer não adota medidas para elevar as receitas do governo (por meio da alta de tributos), mas está gerando mais despesa, como no caso do reajuste de servidores.
"A PEC dos gastos, com mais aposta do mercado que vai passar [no Congresso], mesmo assim sozinha não faz verão. Entre 2017 e 2021, vai ter que ser complementada com medidas adicionais de receitas e despesas para evitar que a trajetória da divida siga crescendo como está hoje. Se ficar só na PEC do gasto, não vai ser suficiente no curto prazo", avaliou Klein.
Para o especialista em contas públicas Felipe Salto, o governo fez o que foi possível até o momento. "Vem centrando esforços na PEC do teto. É preciso evitar ao máximo ceder às pressões [por mudança no projeto], porque sempre vão existir", avaliou ele.
Retorno de recursos do BNDES
A devolução de R$ 100 bilhões do BNDES ao Tesouro Nacional, que diminuiria a dívida pública em igual proporção e impactaria para baixo os subsídios (com efeito no resultado das contas públicas) em R$ 7 bilhões por ano - depois que totalmente implementado - ainda não saiu do papel.
Isso porque há uma dúvida se esse procedimento fere ou não as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O Tribunal de Contas da União (TCU), que decidiu abrir um processo para avaliar o assunto, ainda não emitiu seu parecer.
Segundo o economista José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV e professor do IDP, o ponto central é o artigo 37 da LRF, que cita que, por equiparar-se a operações de crédito, está vedado o "recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação".
Teto para gastos públicos
Já o teto para gastos públicos, apesar de ter efeito limitado no curto prazo, é considerado um dos pilares para tentar ajustar as contas públicas nos próximos anos. A ideia é que as despesas de um ano não possam crescer acima do índice de inflação registrado no ano anterior - o chamado "nominalismo" que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, busca implementar.
O teto, entretanto, também abrange gastos sociais com saúde e educação e, por isso, tem sido criticado. Em nota técnica, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) avaliou que a proposta representa "grave retrocesso para os direitos sociais inscritos na Constituição Federal" e, se aprovada pelo Legistlativo, levará ao "desmonte do SUS [Sistema Único de Saúde] e da Seguridade Social, em flagrante desrespeito à luta do Movimento de Reforma Sanitária e das conquistas sociais inscritas na Carta Magna [Constituição] de 1988."
O CNS avalia que, se o teto já estivesse valendo, o setor teria deixado de receber quase R$ 315 bilhões (valores corrigidos pela inflação) entre 2003 e 2015. Para completar o quadro, o governo propôs, no orçamento de 2017, que as despesas com Saúde cresçam abaixo da inflação.
Os professores Fábio Konder Comparato (USP), Heleno Taveira Torres (USP), Ingo Wolfgang Sarlet (PUC-RS) e a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, divulgaram um artigo recentemente sobre o assunto. Eles avaliaram que, no financiamento dos direitos à saúde e à educação, os mínimos são "inegociáveis".
"No que concerne ao direito fundamental à educação, somente períodos ditatoriais ousaram rever o compromisso social assumido desde a Constituição Republicana de 1934 de financiamento governamental em patamares mínimos nesse setor. Ou seja, há mais de 80 anos a nação brasileira reconhece na educação pública o caminho decisivo para a progressiva e inadiável superação da dependência tecnológica, ainda que sejam lentos e complexos os esforços de associar dever de gasto mínimo a qualidade no ensino", diz o documento.
A admissibilidade da proposta de emenda constitucional (PEC) foi aprovada recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Ela ainda tem de passar, porém, pela comissão especial sobre o tema e por duas votações no plenário da Câmara e do Senado. Para ser aprovada, é necessária maioria qualificada, ou seja, 3/5 dos votos.
Reforma da Previdência Social
A Previdência Social é considerada, por analistas, como a principal fonte de desequilíbrio das contas públicas no médio e longo prazos. Por isso, avaliam que uma reforma das regras é fundamental para a retomada da confiança na economia brasileira.
Em seu primeiro pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV como chefe efetivo do Executivo federal na noite de quarta (31), Michel Temer afirmou que o governo não terá como garantir o pagamento da aposentadoria sem uma reforma na Previdência Social e defendeu mudanças nas regras trabalhistas.
Logo que assumiu a Presidência, após o afastamento de Dilma, Temer se reuniu com as centrais sindicais, criou um grupo de trabalho sobre o assunto, e, segundo informou na ocasião o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, uma proposta do governo seria apresentada no início de junho.
Após se reunir com representantes de centrais sindicais, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse em junho que o governo federal deveria enviar ao Congresso Nacional, em julho, uma proposta para a reforma da Previdência Social.
Depois, diante da dificuldade para chegar a um acordo, o ministro diz que não tem mais data para mandar o texto para o Congresso. Três meses depois do início da chegada de Temer ao Planalto, porém, o governo ainda não anunciou sua proposta formal para reformar o sistema de aposentadorias.
Em maio, ao falar sobre a reforma da Previdência, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles defendeu a criação de regra estabelecendo idade mínima para aposentadoria pelo INSS. Na ocasião, ele defendeu que a medida é fundamental para garantir o financiamento da Previdência. Disse, também, que haverá regras de transição.
As centrais sindicais, por sua vez, continuam resistentes às mudanças. Além dos atrasos e da rejeição das centrais sindicais, a proposta, antes mesmo de ser apresentada, já começou a ser flexibilizada. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que havia dito anteriormente que o governo queria apresentar uma proposta de regime único para a Previdência Social englobando civis e militares, já recuou. Por meio de sua conta no microblog Twitter, informou recentemente que os militares não deverão ser incluídos na reforma da Previdência.
Fonte: G1