30/03/2020 - 11:09
Em 1850 foi sancionada por D. Pedro II a Lei 601, de 18 de setembro, conhecida como Lei de Terras, onde se estabeleceu que nenhuma terra pública poderia mais ser apropriada através do trabalho, senão apenas por compra do estado. Era a sequência de uma série de leis (v.g, Lei Feijó, Eusébio de Queiroz, etc) cujo processo legislativo culminou com a abolição da escravatura.
Caminhando para dois séculos de sua promulgação, ainda se mantém vivas a palavras de Joaquim Nabuco, ditas em 1900, que a “escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional do Brasil”. A ela agregaria não só a dos negros, mas dos nordestinos, nortistas, mulheres e de todos aqueles que de alguma forma também foram vítimas da brutal concentração de renda, iniciada que foi pela Lei das Terras, a que se agregou tantas e tantas outras desigualdades nesse país.
Em tempos de modernidade econômica e do transnacionalismo do capital (e até de serviços), muito se fala sobre a inclusão social das minorias associando-as a políticas do que se chamou ideologia de esquerda pelas bandeiras defendidas por segmentos sociais, que buscam se ferramentar em ações do Estado, tentadas sem sucesso nos últimos 30 anos.
Por outro lado, no Brasil de hoje vivemos um processo oposto, no que se caracteriza por determinações ditas liberais, como a lei de liberdade econômica, reformas trabalhistas, tentativa vindoura de reforma tributária e administrativa e, como meta busca igualmente promover a chamada inclusão social, havendo ideário comum entre ambas o objetivo que o país produza riqueza para todo conjunto da nação.
Nesse contexto, até histórico, vimos que “nunca”, ou “jamais”, o imposto sobre grandes fortunas, previsto no art. 153, VII da CF/88, foi regulamentado por lei, justamente esse dispositivo constitucional que é o símbolo maior das bandeiras de luta das chamadas minorias.
Agora, o tema volta no cenário nacional, com a tramitação do projeto de Lei Complementar 183/2019, que busca criar de fato o imposto sobre grandes fortunas, cuja relatoria coube ao Senador Major Olímpio, do Estado de São Paulo, o mais rico do país. Consulta pública do Portal do Senado da República com quase 320.000 votantes aponta o estrondoso índice de 97,5% dos votos que apoiam a medida.
Vale lembrar que Senadores de ideologia de esquerda, entre eles com projetos do Senador Paulo Paim, do PT, e até do então Senador e ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, tentaram mas sem êxito. Convém lembrar que até há pouco imperava no Brasil o chamado “presidencialismo de coalizão”, portanto, a não aprovação do imposto se deu em muito por vontade política ou a sua falta.
Curiosamente, países que integram o Mercosul, como Argentina e Uruguai, há muito regulamentaram, cada qual a sua maneira, o imposto sobre grandes fortunas de pessoas físicas ou jurídicas, estando o Brasil fora desse grupo de parceiros, em que os ricos não ajudam os pobres, sob aspecto formal.
E nem se argumente os adeptos de políticas liberais, que o imposto sobre grandes fortunas não é producente, de baixa arrecadação, que afugenta o capital e os investimentos. Basta lembrar quem foi o salvador da nação nas crises financeiras de 1929 e 2008, para citar dois fatos históricos emblemáticos, este último presente na memória recente da sociedade: sim, o ESTADO foi o salvador da pátria.
Ora, uma das bases financeiras do Plano Real foi o IPMF, depois transformado em CPMF, sem os quais o “dragão da inflação” no Brasil não seria domado, para utilizar um outro exemplo.
E como não olhar o contexto global? No ataque em Pearl Harbor, o Japão matou 3000 pessoas cujas consequências foram as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Um terrorista joga aviões no World Trade Center, 5000 pessoas morrem, e o mundo deixou de ser o mesmo.
Agora, vivemos uma crise mundial, uma calamidade pública sem precedentes na história, que pela primeira vez altera o calendário de Jogos Olímpicos. Indaga-se, será mesmo que o imposto sobre grandes fortunas é uma questão de ideologia? Ou questão de sobrevivência?
O PLC 183/2019, nas mãos de um Major da Polícia Militar de São Paulo, apesar de originado sem as considerações da covid-19, deve ser urgentemente adequado para salvar a nação, cujos recursos podem e devem ser direcionados a todos os entes federativos, agradando-se a Prefeitos, Governadores e ao Presidente da República, dada as condições públicas de contrassenso que se instalou no país.
*Eduardo L. R. Cubas, juiz federal, presidente da União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf)
Fonte: Estadão