O Banco Central (BC) vê que o risco de aumento de gastos públicos de forma permanente e a incerteza sobre a trajetória dessas despesas em 2023 podem elevar as expectativas de inflação. A análise consta na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira.
A reunião aconteceu na semana passada e decidiu pela manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% e o consequente fim do ciclo de alta de juros que começou em março de 2021.
Na avaliação do Copom, tanto o aumento de gastos quanto a incerteza para o ano que vem pressionam a demanda na economia e pioram as expectativas sobre a trajetória fiscal.
“O Comitê reitera que há vários canais pelos quais a política fiscal pode afetar a inflação, incluindo seu efeito sobre a atividade, preços de ativos, grau de incerteza na economia e expectativas de inflação”, diz o documento.
Para 2023, algumas questões fiscais ainda não estão resolvidas. Apesar de todos os principais candidatos à presidência prometerem manter o Auxilio Brasil em R$ 600 permanentemente, nenhum deles explica como isso será possível fiscalmente. A continuidade ainda não está prevista em lei e precisará ser negociada com o Congresso.
Outro ponto é o das desonerações tributárias sobre combustíveis que podem ser renovadas para 2023.
O sócio e economista da Kairós Capital, Marco Maciel, ressalta que as mensagens sobre política fiscal do BC já são costumeiras nas atas e têm como objetivo mostrar como o andamento dos juros são impactados pelos gastos.
— A insistência do Banco Central que o governo tem que mostrar algum tipo de comportamento consistente com uma austeridade fiscal para que a politica fiscal expansionista não afete a política monetária contrativa — disse.
Riscos para a inflação
A avaliação do Copom é de que há riscos tanto para que a inflação suba, quanto para que ela caia. Uma maior persistência das pressões globais podem contribuir para alta da inflação, assim como a incerteza sobre o arcabouço fiscal do país e “estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada”.
O BC também ressaltou uma preocupação com o hiato do produto, que é a diferença entre o crescimento efetivo da economia e o potencial. Caso esse espaço seja mais estreito do que o BC projeta, a inflação sofreria pressão para cima.
Para os riscos de baixa, o BC destaca uma queda adicional no preço de commodities em reais, desaceleração da atividade econômica global mais acentuada e a manutenção dos cortes de impostos projetados para serem revertidos em 2023.
As expectativas de inflação do mercado são de 5,88% para 2022 e 5% em 2023. Para este ano, o BC já admitiu que a meta de 3,5% não será cumprida mesmo considerando o intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual (p.p) para cima ou para baixo.
Para 2023, as expectativas também estão acima da meta de 3,25%, que tem teto de 4,75%. As expectativas calculadas pelo próprio Copom são de inflação em 5,8% este ano e de 4,6% no ano que vem.
Efeitos ainda esperados
Parte dos argumentos para a decisão de interromper o ciclo de alta de juros é que grande parte dos efeitos dessas elevações ainda não chegou na economia. As altas demoram de 6 a 12 meses para afetar os juros cobrados na economia real.
Na visão do Copom, o repasse da alta na Selic para as taxas cobradas de famílias e empresas tem “ocorrido conforme o esperado, ainda que as concessões de crédito para pessoa jurídica sigam mais robustas que o esperado”.
“O Comitê segue avaliando que grande parte do impacto da política monetária ainda está por ser observada,tanto na atividade econômica quanto na inflação, e que não houve mudança substancial nos canais de transmissão de política monetária”, diz.
A expectativa é que a inflação continue sendo impactada pela alta de juros mesmo após esse fim de ciclo.
“Ainda não se observa grande parte do efeito contracionista esperado, bem como seu impacto sobre a inflação corrente. Esses impactos devem ficar mais claros nos indicadores de atividade ao longo do segundo semestre, mas o Comitê antecipa que medidas de sustentação da demanda agregada dificultam uma avaliação mais precisa sobre o estágio do ciclo econômico e dos impactos da política monetária”, aponta.
Ambiente externo ‘desafiador’
Na ata, o Copom fez uma avaliação mais extensa do que o usual sobre o cenário internacional. O entendimento é que o cenário continua “adverso e volátil” com contínuas revisões negativas de crescimento nas principais economia, em especial a China. Em outro ponto, o mercado de trabalho continua aquecido nos Estados Unidos e em outros países.
“Aa reversão de políticas contracíclicas nas principais economias, a continuidade da Guerra na Ucrânia, com suas consequências sobre o fornecimento de gás natural para a Europa, e a manutenção da política de combate à Covid-19 na China reforçam uma perspectiva de desaceleração do crescimento global nos próximos trimestres”, aponta a ata.
O ambiente inflacionário segue “desafiador” na avaliação do BC. Há uma normalização ainda pequena nas cadeias de suprimento que foram afetadas pela pandemia e uma acomodação dos preços das principais commodities.
Esse cenário poderia levar a uma moderação nos pressões inflacionárias ligadas a bens. No entanto, o mercado de trabalho robusto nas principais economias ainda pressiona a inflação do setor de serviços.
“O processo de normalização da política monetária nos países avançados prossegue na direção de taxas restritivas de forma sincronizada entre países, impactando as expectativas de crescimento econômico e elevando o risco de movimentos abruptos de reprecificação nos mercados”, diz.
Os retrocessos no Brasil em 2022
A estrategista-chefe da MAG Investimentos, Patrícia Pereira, disse que com o cenário de alta de juros nos Estados Unidos e na Europa, que enfrentam inflação em alta e têm dificuldades diferentes, nos EUA, o mercado de trabalho aquecido, e na Europa a questão da energia impactada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, o BC usou a oportunidade para apontar que esses cenários estão em seu radar.
— A gente tá em um mundo de política monetária muito austera e faz parte e é totalmente compreensível que o BC brasileiro destine mais linhas sobre essa questão de política monetária global exatamente porque está parando (de subir os juros). Acho que faz todo sentido ele dizer de todas as formas que tá vendo o cenário externo — afirmou.
Divergências
A ata também deu mais detalhes sobre a primeira divergência entre os membros do Copom desde 2016. Na reunião, dois dois nove membros do Comitê votaram para que os juros subissem para 14%, a diretora de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, Fernanda Guardado, e o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução, Renato Dias de Brito Gomes.
De acordo com o documento, esses dois diretores argumentaram que essa alta adicional “fortaleceria a mensagem” de comprometimento com a estratégia diante da elevação das expectativas de inflação para 2024.
A visão que prevaleceu foi de que os juros já estavam em um patamar alto e que o comitê vai seguir avaliando se a estratégia adotada será capaz de colocar a inflação na meta.
Fonte: O Globo