Como a reforma tributária pode afetar os fundos de investimento
Governo parece ter cedido bastante, mas não o suficiente para justificar reforma
Conforme amplamente noticiado, no último dia 25 de junho, o governo federal apresentou sua proposta de reforma do imposto de renda: o famoso Projeto de Lei nº 2.337/2021. O longo e bombástico PL foi veementemente rechaçado por grande parte da sociedade. Sentindo o peso das inúmeras críticas, tenta-se viabilizar sua aprovação por meio do texto substitutivo revelado no dia 13 de julho, de autoria do seu relator, o Dep. Celso Sabino (PSDB-PA).
O pacotão tributário ficou menos ruim, pois foram eliminados perigosos penduricalhos e ajustadas maldades tributárias exageradas. Contudo, continua sendo inadequado e inoportuno aprová-lo às pressas, sem o devido debate e escrutínio da sociedade. Registrada nossa crítica, passamos a analisar algumas mudanças que podem vir a afetar o mundo dos fundos de investimento.
Os fundos passariam a sofrer a incidência do Imposto de Renda na Fonte (IRFonte) sobre os dividendos que recebem, à alíquota de 20%. Como previsto no texto original do projeto lei, haverá a possibilidade de o valor líquido do imposto ser somado ao custo de aquisição das cotas dos cotistas. O substitutivo do Dep. Celso Sabino trouxe a alternativa de os dividendos serem distribuídos diretamente aos cotistas, de modo que não haja incidência adicional de imposto sobre os rendimentos distribuídos pelo fundo. A opção de distribuição direta, ainda que não resolva todas as distorções que serão causadas pela tributação dos dividendos, é essencial. De outro modo, seriam inviabilizados inúmeros fundos que investem majoritariamente em participações societárias.
Infelizmente, o texto substitutivo manteve a previsão de incidência do come-cotas (de 15%) no caso de fundos fechados. Já sendo questionável o existente come-cotas de fundos abertos, é mais abominável ainda para os fundos fechados. A variação do valor patrimonial das cotas claramente não representa uma renda disponível para tributação, correspondendo a mera expectativa futura e incerta. A norma prevê também a incidência de imposto em 1º de janeiro de 2022 sobre todo o estoque de potencial valorização passada. Exige que os cotistas entreguem os recursos necessários ao recolhimento do imposto, o que denota a absoluta falta de realização de renda tributável. Além de ser um desrespeito com investidores e contribuintes, por afetar riqueza virtualmente acumulada quando essa regra não existia, merecerá fortes questionamentos judiciais. O substitutivo, por outro lado, acertou ao expressamente listar diversos fundos fechados excepcionados (FII, Fiagro, FIP, FIDC etc.). E seria um completo absurdo permitir a interpretação de que poderiam se sujeitar ao come-cotas. Seus retornos, muitas vezes tipicamente variáveis, não poderiam ser tributados quando ainda sujeitos a reversão.
A incidência do come-cotas dos fundos abertos passaria a ocorrer anualmente, e não mais semestralmente, como é hoje. Esse é um ponto positivo, pois quanto menos come-cotas melhor. Como visto acima, essa é uma cobrança altamente questionável.
Por fim, as rendas auferidas por cotistas de Fundos de Investimentos Imobiliários permanecerão sujeitas ao imposto de renda de 20%, igualmente com a manutenção da isenção do caso de fundos e cotistas que preencherem certos requisitos legais. Devemos celebrar isso e o fato de, na minha opinião, o texto substitutivo isentar suas carteiras completamente, inclusive sobre suas aplicações financeiras (as quais hoje, exceto no caso de alguns papéis específicos, sofrem incidência do imposto de renda na fonte).
Como se vê, o texto anterior foi melhorado pelo substitutivo do Dep. Celso Sabino, mas não o suficiente. Ou seja, ainda parece fazer pouco sentido aprovar o projeto sem aprofundar os debates relativos aos objetivos efetivamente buscados (que, espero, não sejam eleitorais). Precisamos também entender melhor os números apresentados, aparentemente insuficientes e pouco explicados. Já ouvimos o discurso de que a proposta original não aumentaria nossa alta carga tributária... Só que não era bem essa a verdade. Como acreditar agora, sem antes receber e analisar os números? Gato escaldado tem medo de água fria... e essa água está com cara de estar pelando.
Ana Carolina Monguilod é sócia do i2a Advogados e Mestre (LL.M) em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden (Holanda).
Fonte: Valor Investe