A discussão sobre a possível política fiscal do próximo governo avançou algumas casas importantes. Nos últimos dias, três diferentes propostas para um novo marco fiscal foram apresentadas em Brasília, e as três coincidem no plano de abandonar o teto de gastos e adotar a dívida como nova referência para o controle das contas públicas. Ao mesmo tempo, o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), reconhece que mirar a dívida é “um bom caminho” para o debate. É a primeira vez que uma liderança do PT demonstra simpatia ao tema.
Passado o segundo turno, o mundo político em Brasília gastou boa parte das duas primeiras semanas pós-eleição pensando em quanto deverá ser a licença para gastar em 2023. O foco no gasto desagradou o mundo econômico, que cobrava avanço na conversa sobre contrapartidas.
Mas agora, essa pauta menos popular para os políticos –mas muito importante para os economistas– parece que finalmente começa a avançar.
Na segunda-feira (14), o Tesouro Nacional apresentou uma proposta detalhada de nova âncora fiscal que propõe acabar com o teto de gastos e adotar novo sistema que permite aumento real das despesas sempre que a dívida cair. O texto, portanto, troca o foco da discussão das despesas para o nível do endividamento. Essa é a primeira –e mais detalhada– das propostas na mesa, mas vem com a chancela da equipe do governo de Jair Bolsonaro (PL), que deixará Brasília em 45 dias.
Diante desse cenário de transição entre governos, a segunda proposta ganha destaque. Esse texto foi elaborado por Felipe Salto, secretário de Fazenda do governo do Estado de São Paulo. Exatamente como o Tesouro, ele sugere que a tendência da dívida seja usada como referência para determinar se os gastos podem ter crescimento real.
A minuta escrita por Salto foi entregue a Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito, e a Persio Arida, integrante da equipe econômica de transição. Em Brasília, Salto é citado como um possível nome para o Tesouro Nacional no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A terceira proposta veio do Congresso Nacional e vai na mesma linha. O senador José Serra (PSDB-SP) anunciou na segunda que está coletando assinaturas para apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para substituir o teto por um novo mecanismo baseado na evolução da dívida pública.
PT: É um bom caminho
Ao mesmo tempo em que as propostas foram colocadas na mesa, a primeira reação do PT foi positiva. Em entrevista ao CNN Primetime, o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes, concorda que a discussão sobre um novo marco fiscal deverá olhar para a dívida pública. “Acredito que sim”, respondeu. “É possível, em oito anos, reduzir a dívida pública que está em mais de 80% [do PIB] para a casa dos 50%”, comentou, ao afirmar que é preciso “modernizar as regras fiscais”.
Lopes acompanha a tramitação da PEC da Transição –e não faz parte do grupo que discute as regras fiscais, mas o deputado reconhece que mirar a dívida parece adequado. “Como economista, posso dizer que é um bom caminho”.
Dívida x teto de gastos
A dívida pública é, historicamente, a principal referência para os economistas e investidores internacionais. O mercado financeiro entende que, quando um país tem dívida controlada, há bom manejo das contas e aquele governo acaba sendo encarado como mais confiável e bom pagador. Assim, os juros caem e há maior fluxo de investimentos estrangeiros.
A regra existente é o teto de gastos que estabelece um limite para as despesas do governo para que, assim, as contas públicas sejam controladas e bem administradas. Quando essa condição é alcançada, a dívida pública acaba caindo como consequência. O problema é que, desde a adoção em 2017, o teto foi estourado seguidas vezes nos anos de 2020, 2021 e 2022 – e já há consenso para o furo do teto novamente em 2023. Ou seja, na prática, há mais anos de desrespeito do que de cumprimento da regra.