Área econômica deu tiro no pé ao cortar orçamento do órgão que cuida do ingresso dos recursos que custeiam governo
São quilômetros de filas de caminhões nas fronteiras, esperas que chegam a dez dias em boleias do caminhão, contêineres que se avolumam em diversos portos, navios que aguardam para descarregar produtos, autopeças que não chegam a montadoras, componentes que não encontram seu destino nas fábricas de eletrônicos, criações do agronegócio sem ração, produtos brasileiros que demoram a ser exportados, contratos descumpridos e custos extraordinários que comprometem o resultado de operações.
Em outra ponta, processos tributários deixam de ser julgados nas instâncias administrativas, sistemas que facilitariam a vida do contribuinte não têm data para entrar em operação, processos de restituição e compensação parados. O cenário desolador foi provocado por quem deveria promover a fluidez no comércio exterior, a agilidade na tramitação processual e a redução do custo-Brasil: o Ministério da Economia.
Ao cortar pela metade (mais de R$ 1,2 bilhão) o orçamento do órgão responsável pelo ingresso dos recursos necessários para custear os programas do governo, as políticas públicas e o funcionamento da máquina estatal, a área econômica do governo dá um tiro no pé. Os auditores fiscais — que entendem melhor do que ninguém como funcionam as engrenagens da Receita Federal, sua importância estratégica para gerar um ambiente saudável para o desenvolvimento econômico e para criar as condições ideais para promover a equidade social – não podiam assistir a esse desmonte sem reagir.
A operação-padrão que se verifica em todas as aduanas do país, numa clara demonstração de coesão e determinação da categoria em um movimento que não tem data para terminar, é consequência natural desse ataque à Receita Federal. E o pior está por vir.
A lentidão que se verifica hoje nas alfândegas do país, gerando um efeito-cascata em todos os elos da cadeia do comércio exterior, é só uma amostra do que ocorrerá a partir de junho, quando os recursos do órgão secarem. Os gargalos se alargarão com potencial para impactar os resultados da balança comercial. O caos se instalará com repercussão em todas as áreas do órgão.
A fiscalização tributária sofrerá abalos, que tem como consequência o aumento das fraudes tributárias e a sonegação, com impacto na arrecadação; o sistema de cruzamento de dados vai colapsar, prejudicando empresas e contribuintes, municípios e estados, que recebem recursos por meio dos fundos de participação. Sem mencionar na indústria dos crimes financeiros, como lavagem de dinheiro, que vai prosperar nesse ínterim.
Não interessa a ninguém ter uma Receita Federal fraca. Ao contrário, para os operadores do comércio exterior e para o setor produtivo, em geral, é vantajoso uma Receita Federal forte, que tenha orçamento e estrutura, que tenha seus sistemas constantemente aprimorados para que possa garantir o equilíbrio concorrencial entre os contribuintes.
Outro fator que precipitou o movimento foi a quebra de acordo firmado entre a categoria e o governo, que havia se comprometido a regulamentar a Lei 13.464, que vige desde 2017, instituindo o programa de produtividade na Receita Federal. Indubitável que o Ministério da Economia, ao enviar em setembro de 2021, uma minuta do decreto ao Palácio do Planalto, deixou clara a sua concordância com a regulamentação. Em dezembro de 2021, o próprio presidente Jair Bolsonaro declarara que estava de acordo com a publicação.
Apesar de toda a construção política para a publicação do decreto regulamentador, o governo, contrariando diversas manifestações positivas do seu alto escalão, optou por não publicá-lo, empurrando os auditores para a maior mobilização da história da Receita Federal, com os previsíveis efeitos colaterais sobre as empresas exportadoras, não bastassem os efeitos da crise sanitária provocada pela pandemia.
O presidente da República, que também tem compromisso com o desempenho da economia, e que passará pelo crivo eleitoral dentro de poucos meses, pode assumir as rédeas da situação desatando o nó que asfixia a Receita Federal e o desenvolvimento do país. A solução está nas mãos de quem criou a situação. Enquanto esses pontos não forem equacionados, não haverá normalidade na casa.
Fonte: JOTA