Enquanto redução fica na gaveta do TJ, cartório movimenta R$ 2,9 milhões no mês

Há seis anos, MS discute a redução dos valores e cidadão busca preços mais amigáveis no Paraná


17/01/2023 - 09:19

Enquanto a redução das taxas cartorárias entra no sexto ano consecutivo “engavetada”, a movimentação em apenas um cartório de Campo Grande foi de R$ 2,9 milhões no mês de dezembro de 2022.

 

Levantamento no Portal da Transparência do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) mostra que o melhor desempenho no último mês do ano passado foi numa serventia extrajudicial de registro de imóveis: R$ 2.960.061,39.

 

A maior parcela (R$ 1.545.038,00) veio de registros de compra e venda. O cartório registra averbações, hipotecas, alienação fiduciária, permutas, regularização fundiária.

 

Dos 16 cartórios de Campo Grande, somente um teve arrecadação abaixo de R$ 100 mil em dezembro.  Os dados fazem coro a levantamento que mostra o posto de titular de cartório como a atividade com melhor remuneração do Brasil (média de R$ 100 mil por mês), à frente de membros do Ministério Público  e do Poder Judiciário.

 

Ao passo que as carreiras jurídicas, como magistrados e promotores, conseguem escapar do teto remuneratório do funcionalismo público  (R$   39,3 mil) com pagamento de “penduricalhos” por meio da verba indenizatória, os titulares de cartório não tem teto.

 

A explicação é de que apesar de ser função pública, a atividade é exercida em caráter privado por delegação do poder público. O ingresso é por meio de concurso e o serviço é fiscalizado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça.

 

Longa jornada – Há seis anos, Mato Grosso do Sul discute a redução das taxas cartorárias (emolumentos), com expectativa de diminuir os valores em até 30%, mas a situação segue inalterada. Desta forma, muitos viajam para Estados vizinhos, como Paraná e São Paulo, para registrar imóveis.

 

O Campo Grande News já mostrou que é possível economizar até R$ 3 mil fazendo a escritura de compra e venda no Paraná. No caso concreto, a pessoa pagaria R$ 4,8 mil em taxas pela transferência de imóvel de R$ 200 mil em Bandeirantes. Em Terra Rica, no Paraná, o custo foi de R$ 1,9 mil. Diferença de 58%.

 

O advogado Leandro Ristow, sócio sênior do escritório Jaques & Vasques Advogados Associados, avalia que os valores já desestimulam a regularização dos imóveis, com a perpetuação de contratos de gavetas. As situações mais comuns são a busca por escritura no caso de herança ou quando a pessoa que juntou dinheiro a vida toda para comprar a casa própria se depara com as taxas.

 

“A pessoa juntou R$ 200 mil, a economia da vida toda, e descobre que também tem que pagar a escritura pública. Então, buscamos alternativas de valores e a maioria prefere o Paraná”, diz o advogado.

 

Já num cenário de quem tem mais posses, Ristow salienta que a escritura de imóvel de R$ 8 milhões custa R$ 7.400 em Mato Grosso do Sul. O mesmo documento exige desembolso bem menor no Paraná: R$ 4 mil.

O advogado lembra que a outra dificuldade é que só há uma modalidade de parcelamento das taxas cartorárias em MS, que é por meio de cartão de crédito.

 

Readequações – Presidente da Anoreg/MS (Associação dos Notários e Registradores de Mato Grosso do Sul), Leandro Augusto Neves Correa afirma que a entidade é favorável à readequação nos valores para corrigir distorções e que a arrecadação bruta não significa que um cartório fature R$ 2,9 milhões por mês.

 

Desse montante, R$ 1 milhão vai para o bolso dos poderes. O restante custeia aluguel, folha de pagamento dos funcionários, a estrutura para atendimento ao público e a remuneração do titular.

 

O cálculo é que a cada R$ 100 de taxas cartorárias, R$ 40 (40%) vá para os cofres dos poderes. Conforme a associação, 15% das taxas ficam com o Tribunal de Justiça (10% acrescidos no valor do serviço e 5% já previsto nos emolumentos).

 

Outros 10% vão para o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul). A Defensoria Pública fica com 6%, enquanto outros 4% vão para a PGE (Procuradoria-Geral do Estado). A Prefeitura de Campo Grande tem direito a 5% de ISS (Imposto Sobre Serviços).

 

“Os deputados ficam criticando os cartórios na Assembleia, mas aprovam as leis para repasses aos outros poderes”, afirma o presidente da Anoreg.

 

Classe média espremida – A associação defende que é preciso um projeto que corrija distorções, mas não simplesmente corte 30% da arrecadação dos cartórios, o que atingiria o equilíbrio econômico-financeiro.

 

De acordo com Leandro Augusto, são 170 cartórios em Mato Grosso do Sul, sendo 150 no interior. “Se reduzir em 30%, eles vão quebrar”.

 

Desta forma, a expectativa é que um projeto traga novas faixas para registros sobre imóveis, por exemplo, mas também reponha a inflação acumulada desde 2014, ano da última correção.

 

No caso das escrituras públicas, ele avalia que há distorções na faixa de imóveis avaliados entre R$ 200 mil e R$ 400 mil. A tabela, prevista em lei de 2005, prevê a mesma taxa para imóveis acima de R$ 301 mil.

 

“Em 2005, imóvel de R$ 300 mil era de alto padrão, hoje é de classe média. A inflação foi corroendo essa faixa e espremeu o contribuinte”, destaca Leandro.

 

Por outro lado, a Anoreg  quer revisão de valores de serviços que considera defasados, como averbação de conteúdo econômico. O cancelamento de contrato custa R$ 50 em MS, mas tem Estado onde é cobrado R$ 4 mil.

 

Outro exemplo é na escritura pública. Por aqui, a transferência de 200 lotes custa R$ 10 mil, mas em Minas Gerais, o valor é por cada imóvel.

 

“É possível que nesse ano, com a nova administração, o tribunal tenha interesse em se movimentar no segundo semestre. No último ano, nos parece que não foi do interesse deles”, afirma o presidente da Anoreg.

 

Em todo caso, qualquer alteração nas taxas que seja aprovada em 2023 só terá validade em 2024.

 

Tarifaço - Desde 2021 sem se manifestar sobre as taxas cartorárias, o Tribunal de Justiça enviou no “apagar das luzes” projeto à Assembleia Legislativa para aumentar em 100% as custas judiciais de três modalidades de processos: busca e apreensão em alienação fiduciária, contratos bancários e seguro.

 

O Tribunal de Justiça terá novo comando a partir de fevereiro. O desembargador Sérgio Martins Fernandes vai substituir o desembargador Carlos Eduardo Contar na presidência.

 

A reportagem questionou o TJ-MS sobre o futuro do projeto para revisão de taxas cartorárias, mas não obteve resposta até a publicação da matéria. 

 
 
 

Observatório Econômico
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Sindicato dos Fiscais Tributários do Estado de Mato Grosso do Sul - SINDIFISCAL/MS

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