Entenda os obstáculos no caminho da reforma administrativa no Congresso
Críticas à proposta encaminhada à Câmara pelo governo, que mantém benefícios dos chamados servidores "intocáveis" e não apresenta números claros sobre a mudança, reduz a probabilidade de avanços, às vésperas de ano eleitoral
Instalada na semana passada, a Comissão Especial que discutirá a reforma administrativa (PEC 32/2020) tem o desafio de lidar com lobbies poderosos no Congresso Nacional. Apesar do interesse do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em avançar nas discussões, deputados são cautelosos ao avaliar o alcance da reforma, enquanto categorias de servidores criticam o teor do texto apresentado pelo governo e não veem a menor condição de a proposta ser aprovada, especialmente às vésperas de ano eleitoral.
Um ponto crítico na PEC 32 é a não inclusão dos chamados “intocáveis”: juízes, procuradores, parlamentares e militares. Essas classes tiveram benefícios mantidos e até receberam aumentos nos subsídios. Os integrantes da Comissão adotam cautela ao comentar essa questão. Em entrevista ao Correio, o presidente da Comissão Especial, deputado Fernando Monteiro (PP-PE), não se opõe à inclusão dos servidores do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público. Mas ressaltou a necessidade de se haver um amplo diálogo e de que “todas as emendas sejam apreciadas”. O relator da proposta na Comissão Especial, por sua vez, tem manifestado explicitamente o desejo de incluir esses grupos na reforma.
Arthur Maia (DEM-BA) se alinha ao ponto de vista do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que busca reunir assinaturas suficientes para incluir servidores das carreiras de Estado na reforma. “Se transformarmos a reforma em algo onde quem é a favor da reforma está contra os servidores públicos e quem é contra a reforma é a favor deles, certamente nós não vamos chegar a lugar nenhum. Isso é muito mais amplo. Nós estamos aqui tratando de qualificar o Estado brasileiro no sentido de prestar um serviço público de melhor qualidade”, afirmou Maia.
Sem salvação
As entidades representativas dos servidores têm outro ponto de vista. Criticam o teor da proposta encaminhada pelo governo, temem o sucateamento do serviço público não veem interesse genuíno dos parlamentares em discutir tema de notório desgaste político. Edvandir Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), não vê um item que possa ser aproveitado na PEC 32. “Esse texto não serve para nada. Nem mesmo após as mudanças na CCJ. Não tem como salvar. Continuam lá os terceirizados, as contratações por tempo indeterminado, não se sabe quem são as carreiras de Estado e os privilégios foram mantidos. Apesar da insistência de alguns, os parlamentares estão com receio e já entenderam que não será bom para eles votar essa proposta. Ninguém fala mais em reforma administrativa no Congresso, porque isso vai ter impacto nas eleições de 2022”.
Mesmo que a PEC 32, por insistência do presidente da Câmara, comece a tramitar, vai encontrar resistências na comissão especial. “Não vai ser como a reforma da Previdência, quando o governo passou o trator. Vale lembrar que, na CCJ, a PEC 32 não passou com folga. Foram apertados 39 votos a 26 votos. A melhor saída para o governo é abandonar a proposta e rediscutir o tema”, enfatiza Luís Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef).
Na análise da economista Ana Carla Abrão, da consultoria Olyver Wyman, o Congresso precisa decidir que tipo de serviço público quer para o país. “Se tivermos, por parte relator ou do Congresso, a defesa de castas e privilégios, veremos a consolidação das distorções e não a garantia de melhores condições para os trabalhadores da educação, saúde e segurança pública”, afirmou.