12/01/2023 - 15:39
Em seu discurso de posse, o ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou que vai apresentar o novo marco fiscal no primeiro semestre deste ano. Depois, falou, em uma entrevista, que poderia ter uma proposta em abril. Especialistas em contas públicas, alguns ligados ao PT, alertam que a equipe econômica deveria priorizar a apresentação da proposta no final de fevereiro, no máximo, no início de março.
A percepção é que protelar a apresentação dessa proposta eleva o risco de pressão política sobre a tramitação da nova regra fiscal e também da proposta orçamentária do ano que vem. Em contrapartida, antecipá-la seria um item a mais para reforçar o cenário de estabilidade na economia quando o governo enfrenta movimentos radicais nas ruas.
Historicamente, um novo governo tem mais facilidade de pautar e aprovar suas propostas no Congresso no início do mandato. Quanto mais se avança no calendário, maior tende a ser a pressão do Legislativo e de grupos de interesse por alterações, muitas vezes contrárias à sugestão original do Executivo. Há o entendimento de que é ruim postergar prioridades, ainda que haja espaço legal para isso.
Pelo que foi aprovado na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) em dezembro do ano passado, o presidente da República deve encaminhar ao Congresso, por meio de lei complementar, um novo regime fiscal até 31 de agosto. Mas o tempo político nem sempre é o regimental, lembra um integrante do PT, que prefere não ter o nome citado e tem na memória as armadilhas da política quando se empurram temas importantes para o Executivo no Congresso.
Um exemplo está nas tramitações do distante, mas didático ano de 2007, durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Levantamento feito pela Folha na época mostrou que o PT controlava mais de três quartos da Câmara, a maior base desde 1990, e tinha também maioria dos votos nominais no Senado.
No entanto, naquele ano, o governo foi sendo atropelado por uma sucessão de contratempos políticos, entre eles denúncias que acabaram fragilizando o senador Renan Calheiros, aliado estratégico. Renan acabou sendo absolvido nos dois processos abertos pela artilharia oposicionista, mas as pautas do governo encalharam na Casa.
Era o primeiro ano do segundo mandato, e a gestão Lula sofreu a derrota de não aprovar um item orçamentário vital, a prorrogação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).Numa votação tensa, já na madrugada de 13 de dezembro, o PT perdeu um receita de bilhões para um placar de 45 a 49 —faltaram apenas quatro votos para prorrogar o tributo.
A defesa pela apresentação da regra fiscal ainda no primeiro trimestre deste ano também considera os trâmites do Orçamento.
O projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) deve ser enviado ao Executivo para o Congresso até 15 de abril de cada ano, e ser devolvido para sanção até 17 de julho do mesmo ano. Dentro desse cronograma, sem que um novo arcabouço fiscal seja apresentado antes, a largada da discussão orçamentária de 2024, que deveria ser 100% Lula, terá de se basear na regra que está em vigor, e que o governo rejeita, o teto de gastos.
Existem alternativas para mudar a proposta do Orçamento mais para frente, então, é certo que a parte referente ao governo federal no projeto da LDO corre o risco de ser uma simulação. Será preciso esperar para ver como a discussão, tanto do conteúdo do Orçamento como da nova regra, vai evoluir no Congresso.
“Acho inevitável algum tipo de descasamento, mas não podemos saber se será grave”, afirma o economista Daniel Couri, diretor-executivo da Ifi (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado. “Passamos por isso mais de uma vez. No ano passado, por exemplo, tivemos que esperar as eleições e a PEC da Transição para definir o Orçamento.”
O economista Manoel Pires afirma que é preciso ser razoável nas cobranças no início de um governo, pois é certo que nenhuma equipe econômica teria uma regra fiscal consensual nas duas primeiras semanas.
No entanto, Pires, que coordena o Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), lembra há um rito a ser seguido e saber calibrá-lo está na essência da política.
“Vai ter um tempo de formulação, amadurecimento, conversa com gente do setor privado, para ver se as pessoas gostam da nova regra, a entendem, depois, tendo uma avaliação positiva mais geral, você dá publicidade, apresenta, discute no Congresso e aprova”, afirma Pires.
“Você não pode antecipar demais esse rito, porque aí faz uma coisa ruim, pouco amadurecida e que depois, lá na frente, tem que mudar, mas também não pode postergar demais porque isso acaba criando obstáculos para o sequenciamento da agenda de governo. O ministro precisa conduzir dentro desses princípios.”
O Lula 3 já tem vários pontos de partida para uma discussão sobre o novo regime fiscal.
Recebeu inúmeras contribuições de economistas fora do governo e também tem uma proposta redigida pelo grupo de economistas responsável por fazer o diagnóstico do antigo Ministério da Economia durante a transição de governo.
Dos quatro integrantes desse grupo, André Lara Resende e Persio Arida não estão no governo, mas dois deles conhecem o tema com profundidade: Guilherme Mello, o atual secretário de Política Econômica e Nelson Barbosa, que foi indicado para uma diretoria do BNDES.
Segundo a Folha apurou, o arcabouço sugerido por esse grupo troca a atual regra do teto de gastos por um novo regimente baseado em meta para as despesas.
O consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara Ricardo Volpe afirma que o ideal seria ter uma boa regra antes do projeto da LDO, mas destaca que a questão do prazo de apresentação e da tramitação da nova regra fiscal esbarra em uma questão anterior: qual será, afinal, a que vai prevalecer na discussão interna do terceiro governo de Lula.
“Vontade política pode ser construída, mas acredito que falta decisão política”, diz Volpe. “Que modelo o governo, afinal, vai querer?”
Volpe, que contribuiu para a elaboração da proposta de nova regra do Tesouro e acompanha a discussão do tema, reforça que alguns economistas do PT, desde a campanha, defendem a troca do teto de gastos pela volta da regra de resultado primário, adotada em todas as gestões petistas anteriores.
“Acho um equívoco se isso ocorrer, porque vai incentivar todo mundo a gastar mais”, afirma. “Mas o risco existe.”