O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) selou um acordo para livrar contribuintes de pagar juros e multas em caso de empate nos julgamentos administrativos envolvendo dívidas tributárias.
A expectativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), é conseguir, com isso, preservar o chamado voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que garante à Fazenda a manutenção das cobranças quando há empate —ainda que o acerto signifique conceder descontos no pagamento dos débitos.
A negociação, proposta por empresários e avalizada por Haddad, busca evitar um revés do governo na discussão do pacote econômico com o Congresso Nacional.
Os parlamentares derrubaram o voto de qualidade em 2020, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), e vinham resistindo à investida do governo Lula para retomar o instrumento. O presidente editou, em janeiro, uma MP (medida provisória) para restabelecer o voto de qualidade, com vigência imediata.
“Foi uma polêmica muito grande, todos nós aprendemos com a situação e encaminhamos, então, ao Supremo Tribunal Federal, um entendimento que tem a vigência enquanto durar a medida provisória no Congresso Nacional”, disse Haddad a jornalistas, após reunião no STF para fechar o acordo.
Segundo ele, o acerto terá neste momento um efeito temporário —a MP tem vigência de até 120 dias, período em que precisa ser validada pelo Legislativo—, mas a expectativa é que os parlamentares incorporem os termos na votação.
“Espero que os parâmetros estabelecidos no acordo sirvam de guia para o julgamento do Congresso Nacional e eventual sanção do presidente da República”, disse o ministro.
O acordo prevê uma espécie de “regulamentação” do voto de qualidade: em caso de empate, permanece a cobrança do valor principal do débito, mas caem as multas e os juros, desde que a dívida seja quitada ainda em âmbito administrativo.
Os contribuintes contemplados terão um prazo de 90 dias para sinalizar o interesse de encerrar a disputa e, neste caso, poderão efetuar o pagamento em até 12 parcelas mensais. Em caso de não pagamento nos termos previstos ou de inadimplência de qualquer uma das parcelas, a cobrança dos juros será retomada.
Além disso, se as empresas decidirem manter o questionamento por meio de recurso à Justiça, os juros também serão reincorporados ao débito, mas as multas permanecerão extintas.
“Nós passamos a reconhecer o empate como uma coisa que coloca o contribuinte numa situação que exclui a punibilidade. Se houve empate, a gente tem de levar em consideração o fato de que havia uma dúvida importante sobre aquele tributo. Então, cai a multa independentemente de ele pagar na esfera administrativa ou não”, explicou Haddad.
Segundo ele, a partir da dúvida gerada no julgamento, não seria mais possível atribuir ao devedor uma multa por “má-fé” ao não recolher o imposto devido.
O acordo foi formalizado em petição do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que havia questionado a MP do governo no STF. A expectativa é que uma medida cautelar seja concedida pela Corte permitindo a aplicação dos termos acertados.
Como mostrou a Folha, o acordo é alvo de críticas de técnicos da Receita Federal e do sindicato da categoria, que veem incentivo ao litígio pois mais empresas recorreriam ao Carf na tentativa de se livrar dos encargos. Além disso, sem a correção por juros sobre o montante cobrado, a inflação vai corroer o valor real da dívida, ampliando as perdas da União e penalizando de forma indireta quem pagou o tributo em dia.
Haddad disse que as críticas são “válidas”, mas a opção do governo foi negociar a reversão de uma situação que estava impondo prejuízos ao governo federal. Sem o voto de qualidade, o empate estava livrando as empresas de pagar qualquer valor ao Fisco.
“Na minha opinião, o governo anterior errou. Temos de corrigir os erros cometidos pela gestão anterior, não é fácil desfazer esse tipo de erro”, afirmou o ministro. “O preço do erro é esse. Nós momentaneamente temos de abrir mão disso para reverter [a derrubada do] voto de qualidade.”
Haddad ressaltou que a maior parte do estoque de dívidas no Carf está concentrada na mão de poucos contribuintes. “Estamos falando de 120, 130 empresas que respondiam por R$ 600 bilhões, metade do estoque em valor do Carf”, disse.
“Uma [única] empresa está devendo R$ 100 bilhões para a Receita Federal. É uma estatal. Por aí vê o conjunto de coisas erradas que estavam sendo feitas contra o Estado brasileiro, contra a Constituição brasileira”, acrescentou o ministro, sem citar o nome da companhia.
Com a negociação, ele prevê manter o volume de arrecadação projetado pelo governo no anúncio do pacote de medidas econômicas. Os “incentivos extraordinários” ligados ao Carf e à denúncia espontânea resultariam em arrecadação de R$ 50 bilhões neste ano, segundo a Fazenda.
Fonte: Fenafisco com informações da Folha de S. Paulo