11/01/2021 - 12:58
Para Guedes, tributo geraria fuga de investidores; cobrança é defendida por especialistas para reduzir desigualdades
A Receita Federal apresentou à Câmara críticas à proposta de criar um imposto sobre grandes fortunas. A ideia é defendida por parlamentares, mas sofre a rejeição do ministro Paulo Guedes (Economia).
Em documento, a Receita não descarta eventual debate sobre o tributo para reduzir a desigualdade social no país, mas afirma que há medidas mais eficientes, como acabar com programas de Refis (parcelamento de dívidas com a União com descontos), taxar a distribuição de lucros e dividendos e mudar tributação sobre o mercado de capitais.
O fisco afirma que há dificuldades sobre como estabelecer o critério para as fortunas —como mensurar a riqueza, o patrimônio de cada um. Como exemplos, citou obras de arte e direitos autorais.
Para a Receita, o sistema poderia ser burlado facilmente. Se transferir parte do patrimônio para outros países ou dividir com outras pessoas, um contribuinte poderia escapar da taxação, argumenta o órgão.
Além disso, o fisco cita que o imposto sobre grandes fortunas chegou a ser adotado por alguns países e, depois, foi abandonado.
A avaliação de Guedes é na mesma linha: esse tributo poderia gerar fuga de investidores. Isso forçaria o capital a ir para países onde não há a taxação, reduzindo a oportunidade de novos negócios e empregos.
No fim do ano passado, o Congresso da Argentina aprovou a criação de um mecanismo que ficou conhecido como imposto sobre grandes fortunas. O novo tributo é uma taxa extraordinária, de recolhimento único, que será paga por 12 mil argentinos com patrimônio acima de um patamar equivalente a R$ 12 milhões.
A medida gerou críticas de empresários do país vizinho e foi usada como argumento por Guedes para se posicionar contra o imposto.
Pressionado por partidos de esquerda, o relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) já indicou que pode incluir essa discussão em sua proposta. A Câmara discute desde 2019 um projeto para reformular o sistema tributário nacional.
O governo tem participado de reuniões técnicas com a equipe de Ribeiro, mas as negociações políticas têm se sobressaído para a elaboração do relatório da reforma tributária, que só deve ser apresentado quando houver amplo apoio de partidos.
Para o economista Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV/Ibre, a Receita Federal não deveria apresentar propostas, como taxação sobre lucros e dividendos, como uma alternativa ao imposto sobre grandes fortunas, pois “uma coisa não afasta a outra”. “Taxar dividendos é taxar renda [fluxo contínuo de rendimentos], e não a riqueza [patrimônio já conquistado]”.
Borges cita como exemplo uma comissão técnica do Reino Unido que, embora contrária anteriormente ao tributo sobre fortunas, recomendou a criação do imposto de forma temporária diante da crise da Covid-19. A ideia, segundo ele, também deveria ser aplicada no Brasil, onde a desigualdade se agravou por causa da pandemia.
“Se o imposto é permanente, a tendência é, sim, de fuga de investimentos. Mas se é cobrado de por um período limitado, como cinco anos, a medida pode ajudar na recuperação da crise, além de ser uma questão de justiça”, afirmou Borges.
A gerente sênior da área tributária na Mazars Brasil, Sirlene Chaves, avalia que taxar as fortunas pode não ter o resultado esperado, pois os grandes contribuintes acabariam se esquivando da cobrança, adotando medidas para repartir a riqueza ou mesmo usar laranjas para escapar do fisco.
“A pergunta a ser feita é: quanto o país crescerá com isso? O imposto assustaria investidores”, disse.
Para Chaves, a reforma tributária deveria focar em mudanças no sistema que já existe, como criar alíquotas mais altas de IR (imposto de renda) para os mais ricos, taxar os imóveis com base no valor atual de mercado e criar um cobrança sobre distribuição de lucros e dividendos.
Ribeiro e deputados também discutem essas medidas. Mas, na Câmara, esse debate não é visto como uma barreira à proposta de criação de um imposto sobre fortunas.
Foto:
Edu Andrade/Ascom/Ministério da Economia
Fonte:
Folha de SP