“Não defendo a indulgência, mas a atuação preventiva do Ministério Público”. A afirmação é do procurador-geral da República, Augusto Aras, e foi externada na sexta-feira (10), durante a abertura do seminário Retrocessos no Combate à Improbidade Administrativa, promovido pela Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (5CCR/MPF). O evento teve como foco as recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92 - LIA) e seus impactos no enfrentamento de práticas ilícitas. Para Aras, é preciso achar um ponto de equilíbrio para usar a nova legislação, interpretando-a à luz da Constituição Federal e das convenções internacionais de combate à corrupção e a outras práticas lesivas à Administração Pública internalizadas pelo direito brasileiro.
O procurador-geral pontuou que a reforma da LIA era necessária, mas demonstrou preocupação com alguns aspectos introduzidos, como a exigência de dolo para que agentes públicos sejam responsabilizados em casos de enriquecimento ilícito, lesão ao erário e, especialmente, quando há violação aos deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade. “De um lado, preocupa-nos a impunidade dos atos de negligência, imprudência e imperícia. De outro, mais importante, preocupa-nos um possível afrouxamento da tutela do bem jurídico que é a res publica (coisa pública), especialmente naquelas prestações essenciais como saúde, educação, moradia, segurança, entre outras”, disse.
Aras também reiterou a importância da atuação preventiva do Ministério Público no enfrentamento da improbidade administrativa, bem como do atendimento aos fins sociais e à exigência do bem comum na aplicação da lei. Ele explicou que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e as Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal trabalham para que esse norte do bem comum não seja esquecido, em especial nesse momento de aplicação da nova lei, quando, segundo pontuou, "buscamos a devida segurança jurídica pela interpretação possível, que é aquela conforme a Constituição”.
Ainda de acordo com o PGR, para prosseguir no caminho dos avanços, sem retrocesso na tutela da coisa pública, é preciso ter um Ministério Público moderno, pronto para promover a Justiça. “À luz da lei maior iremos buscar a sanção do administrador que age em desvio. Mas não daquele que, por vezes, se encontra numa situação de desigualdade tal que não lhe permite uma gestão mais técnica e organizada. Para este, cabe-nos recomendar, inicialmente, o caminho a ser trilhado. Para ambos, as devidas garantias processuais”, afirmou.
Descompasso – O ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin também participou da abertura do seminário. Ele reforçou a necessidade de modernização da LIA, mas ressaltou que o objetivo principal da reforma, que seria coibir exageros da norma, especialmente no que diz respeito aos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, não explica 95% das alterações feitas. Segundo ele, boa parte dos dispositivos incluídos na lei visam a proteção das grandes empresas e empreiteiras. “Há um descompasso entre o objetivo expressado publicamente, que justificaria um esforço de reforma legislativa, e o resultado alcançado. Acabamos com uma lei que protege e, em alguns casos, busca uma blindagem absoluta das grandes empresas”, ponderou.
O magistrado pontuou ainda que, numa reflexão inicial e provisória, é possível identificar na reforma da LIA mecanismos que, segundo análise da doutrina estrangeira, favorecem a impunidade. Entre eles, a modificação do quadro substantivo da norma, ou seja, o que era ilícito deixa de ser; as alterações no sistema processual; regras que dificultam ou inviabilizam a produção de provas; e a ausência de diálogo com outras fontes normativas. Ele afirmou ainda que as alterações buscam empregar a técnica processual e do direito penal no processo civil administrativo, mas não incorporam as contrapartidas do sistema criminal. “É o melhor dos mundos e nós sabemos que, numa República, o corrupto não pode ter o melhor dos mundos, porque ele causa à população brasileira o pior dos mundos, tira a saúde, a educação, o transporte e a dignidade da pessoa humana”, desabafou.
Retroatividade – A coordenadora da Câmara de Combate à Corrupção do MPF, a subprocuradora-geral da República Maria Iraneide Facchini, abordou a questão da retroatividade da lei. No entendimento do órgão superior do MPF, a exigência de comprovação de dolo não pode retroagir para beneficiar réus de ações já ajuizadas, pois a Constituição Federal impede a retroatividade automática de normas mais benéficas como forma de impedir o retrocesso no combate à corrupção e à improbidade (artigo 37, §4º). Além disso, a retroatividade é vedada quando as mudanças legislativas são complexas e resultam na reformulação de tipos e sanções, como ocorreu no caso.
Facchini pontuou que os advogados têm adotado um discurso de polarização, em que se contrapõe a probidade administrativa e a proteção do patrimônio público ao direito de defesa, à proporcionalidade e à retroação da lei mais benéfica para o réu. Para ela, o debate precisa evoluir e considerar o interesse da administração pública de manter em seus quadros gestores probos, que respeitam e cumprem as leis do país. "A despeito de discursos díspares sobre o tema, não há como olvidar a necessidade da exigência constitucional da probidade na administração pública, valor esse também primordial do estado democrático de direito", disse.
Esse e outros aspectos, como prescrição, punição a pessoas jurídicas, autonomia funcional, dolo específico e efetividade das condenações e sanções decorrentes da LIA, entre outros, foram aprofundadas no painel que contou com a participação do procurador da República Hélio Telho Corrêa Filho (PR/GO) e dos procuradores regionais da República Alexandre Amaral Gavronski (PRR4ª Região), José Roberto Pimenta de Oliveira (PRR3ª Região) e Ronaldo Pinheiro de Queiroz (PRR1ª Região).
A íntegra dos debates está disponível no Canal do MPF no Youtube.
Fotos: Leonardo Prado/Secom/PGR
Fonte: Ministério Público Federal