Novas regras para servidores: o que os deputados querem mudar na reforma administrativa
Alvo de críticas da oposição e até de aliados do governo, a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa do governo deve ter seu relatório apresentado nesta segunda-feira (30) na comissão especial, de acordo com o deputado Arthur Maia (DEM-BA), relator da matéria no colegiado. Sob pressão das bancadas e entidades que defendem os interesses das diversas categorias do funcionalismo público, o parlamentar deve descartar uma série de dispositivos propostos pelo Executivo.
Ao todo, foram protocoladas 62 emendas à PEC na comissão especial. Dessas, 17 não atingiram o número mínimo de assinaturas para poderem ser apreciadas – é necessário o apoio de 171 parlamentares para que uma proposta de modificação seja válida. Cabe ao relator acatar ou não as emendas em seu parecer, que passa por votação entre os membros do colegiado.
A maior parte das mudanças propostas diz respeito à estabilidade dos servidores públicos. Das 45 emendas recebidas na comissão especial, 18 estão relacionadas à regra. No texto enviado pelo Executivo, a proposta é que a estabilidade fique restrita apenas às chamadas carreiras típicas de Estado – os critérios para definição desses cargos ficaram para serem definidos em lei complementar.
A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), por exemplo, apresentou emenda propondo que todos os ocupantes de cargo com vínculo por prazo indeterminado sejam cobertos pela estabilidade. “Nesses cargos é que se encontram os servidores da educação, saúde, assistência social, ou seja, aqueles que fazem o atendimento direto àqueles que mais necessitam dos serviços públicos”, justifica.
Hoje, todos os servidores concursados ganham estabilidade após três anos de exercício do cargo – a demissão só pode ocorrer por decisão judicial transitada em julgado ou por processo administrativo disciplinar. A Constituição prevê que um funcionário público possa ser demitido também por insuficiência de desempenho, mas até hoje não houve regulamentação a respeito dos critérios para avaliação do trabalho. Embora não esteja previsto na PEC, um dos objetivos da reforma também é estabelecer essa esses critérios em lei complementar.
A manutenção da estabilidade para todos os servidores também está prevista em duas emendas substitutivas globais, uma delas da chamada Frente Servir Brasil, assinada por André Figueiredo (PDT-CE), e outra do PT, assinada por Rogério Correia (MG), Rui Falcão (SP), Alencar Santana (SP), Paulo Pimenta (RS), Paulo Teixeira (SP) e João Daniel (SE).
As duas proposições também pretendem retirar do texto a previsão do vínculo de experiência, um requisito para aquisição de estabilidade no caso das carreiras típicas de Estado. Para o governo, a medida estabeleceria uma seleção mais rigorosa, uma vez que submeteria concursados a uma etapa adicional de avaliação.
“Porém, esse novo tipo de vínculo poderia ter por efeito o inverso do pretendido; ao invés de se selecionarem os mais capazes, o período de experiência pode resultar na subversão dos critérios de seleção, uma vez que os candidatos aos cargos seriam submetidos a critérios subjetivos”, argumenta Figueiredo.
Deputados querem definição de carreiras típicas de Estado na PEC
Em outras emendas, sugere-se que a PEC estabeleça de antemão quais cargos devem ser classificados como típicos de estado. Junto com Paulo Ramos (PDT-RJ) e Danilo Cabral (PSB-PE), Rogério Correia e Alice Portugal assinam proposta que propõe enquadrar nessa classificação as atividades de “planejamento, avaliação, monitoramento, implantação, assistência técnica, supervisão, auditoria e controle, gestão e execução das políticas sociais”.
Em outra emenda, Danilo Cabral quer assegurar que os cargos de professor da educação básica e do ensino superior público sejam considerados típicos de Estado, sem prejuízo do que dispuser a lei que vier a definir os critérios para a classificação das carreiras.
Lincoln Portela (PL-MG) quer alterar a redação da PEC para que sejam considerados típicos de Estado apenas cargos previstos na Constituição, bem como os que vierem a ser estabelecidos em lei complementar federal.
Sebastião Oliveira (Avante-PE) pede que entrem na classificação as carreiras que “envolvam atribuições relacionadas à expressão do Poder Estatal, não possuindo correspondência no setor privado, atividades estratégicas finalísticas que permitam a implementação de políticas públicas, bem como os que envolvam atividades transversais administrativas correlatas ao funcionamento constitucional adequado do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário”.
Em uma mudança de posicionamento, o relator da PEC na comissão disse há algumas semanas ter decidido incluir em seu substitutivo a definição de carreiras típicas de Estado. Depois disso, no entanto, Maia teria concordado em manter a estabilidade irrestrita todos os servidores públicos, segundo noticiou o portal Congresso em Foco na última sexta-feira (27).
No sentido oposto, uma emenda do deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) sugere incluir outras duas possibilidades de desligamento de servidor público, ainda que haja a estabilidade: em razão da extinção do cargo por obsolescência, ou por ausência de demanda da função.
De acordo com Mitraud, que é líder da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, a proposta segue o exemplo do que tem sido trabalhado em outros países. “Destaca-se também o estabelecimento já no texto Constitucional de que haverá necessariamente uma indenização ao profissional que for desligado por tal motivo”, ressalva.
Há ainda emendas que pretendem incluir no texto da PEC diretrizes para a avaliação de desempenho dos servidores, o que, pela proposta do governo, seria feito apenas em lei complementar. Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), por exemplo, quer estabelecer entre os critérios assiduidade e pontualidade; presteza e iniciativa; qualidade e tempestividade do trabalho e produtividade. Emendas propõem inclusão de membros do Legislativo e Judiciário na reforma
Outra grande controvérsia do texto original do governo dizia respeito à abrangência das novas regras. Conforme o texto original, apenas servidores do Executivo seriam impactados pela reforma. Ficariam de fora militares, parlamentares, juízes, desembargadores, promotores e procuradores.
Há emendas que preveem a inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público, além de ocupantes de cargos eletivos, ministros e conselheiros de tribunais de contas, no conjunto de alterações, como a de autoria de Kim Kataguiri (DEM-SP) e a de iniciativa de Caroline de Toni (PSL-SC). Kataguiri sugeriu em outra proposta a limitação de 30 dias de férias para todos os agentes públicos, com a justificativa de garantir a isonomia na administração pública.
Greyce Elias (Avante-MG), por sua vez, pede para acrescentar ao texto da reforma a vedação à aposentadoria compulsória com proventos proporcionais de membros do Judiciário como modalidade de punição.
O deputado Nicoletti (PSL-RR), em caminho contrário, quer criar mais um regime jurídico diferenciado. As regras seriam específicas para funcionários das forças de segurança e abrangeriam policiais federais, rodoviários, penais, civis distritais e estaduais, da polícia científica, agentes de segurança socioeducativos, agentes de trânsito e guardas municipais.
“Não há outra maneira de contemplar todas as peculiaridades da atividade policial, senão, adicionando um dispositivo constitucional próprio, que estabeleça um mínimo de direitos e obrigações próprias, de tal forma que o legislador possa regulamentar no futuro, mediante lei”, alega.
Em declarações recentes, o relator da PEC adiantou que deve incluir funcionários do Legislativo e do Judiciário na reforma, mas, por outro lado, deve manter de fora militares e policiais em razão da natureza distinta das funções. Texto já passou por mudanças na Comissão de Constituição e Justiça
Enviada pelo governo em setembro de 2020, a PEC da reforma administrativa caminha a passos lentos no Congresso. A matéria foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados apenas em fevereiro, após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Casa.
O texto ficou quase três meses na CCJC, onde passou por algumas modificações. O relator no colegiado, deputado Darci de Matos (PSD-SC), retirou três itens da proposta do governo em seu parecer. O primeira daria ao presidente da República o poder de extinguir, fundir ou transformar órgãos por decreto, sem a necessidade de aval do Congresso.
Outra alteração mantém liberada a realização de outras atividades remuneradas por ocupantes dos chamados cargos típicos de Estado, algo que seria vedado na proposta do governo. A terceira mudança eliminou trecho da PEC que criaria oito novos princípios à administração pública.
O parecer pela admissibilidade da PEC foi aprovado na CCJC em 25 de maio, quando seguiu para a comissão especial. Com o recesso do Legislativo, no entanto, a proposta levou mais três meses para ter o relatório apresentado no colegiado específico. A previsão é que o parecer seja lido nesta segunda-feira.
Fonte: Gazeta do Povo