Opinião: Reforma administrativa e Justiça do Trabalho
Nesta segunda-feira (9/8), na qualidade de diretor da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), e sob a liderança da colega Olga Vishnevsky Fortes, presidente da ABMT, participei de reunião virtual com o deputado federal professor Israel Batista. Em pauta, a reforma administrativa e as preocupações da magistratura.
Não há dúvidas de que o serviço público, pensado genericamente, pode melhorar, o que inclui o Poder Judiciário e, especificamente, a Justiça do Trabalho. O período da pandemia mostrou, a um custo humanitário muito alto, que há inúmeras alternativas para serem experimentadas a fim de realizarmos nosso serviço de forma melhor e com menor custo.
O teletrabalho, inclusive de magistrados, revelou ser prática não apenas possível, mas desejável, na medida em que diversas tarefas podem ser plenamente executadas por meio digital, otimizando processos e reduzindo custos para o erário.
Como exemplos, as audiências conciliatórias tele-presenciais, o balcão de atendimento virtual, as sustentações orais perante os tribunais e os despachos com advogados também por meio de videoconferência, e por aí vai. A tecnologia nos permite realizar tais atos, com total segurança, de forma simples, rápida e efetiva. Espero que o futuro retorno presencial não nos faça retroceder nessas conquistas.
Repensar o Poder Judiciário em busca de maior efetividade com menor custo é, portanto, extremamente desejável. Um justo reclame da sociedade. O perigo, entretanto, se encontra logo ali na curva.
Sei que o tema não é popular, mas em épocas reformistas sempre se ouvem os mesmos argumentos midiáticos que, no clamor popular, podem acabar levando o Congresso Nacional a aprovar mudanças que, no final, em nada contribuirão para o desenvolvimento da sociedade.
Um dos temas recorrentes, e falacioso, é de que nós, magistrados, seríamos "marajás". Geralmente, fazem um comparativo de nossos subsídios com o valor do salário mínimo ou nos acusam de recebermos "penduricalhos" em burla ao teto constitucional.
A comparação com o valor mínimo nacional, penso, não merece muita argumentação para ser afastada. A própria Constituição, na área privada, garante a fixação de pisos salariais de acordo com a complexidade do serviço. Sem desmerecer qualquer profissão, ninguém duvida de que a magistratura exige uma qualificação ímpar, testada em concurso público de cinco fases, que aprova menos de 1% dos candidatos.
Salvo os integrantes do quinto constitucional nos tribunais e os ministros do STF, na magistratura nacional somente se obtém o cargo através do citado concurso, cumprindo-se, ainda, durante o exercício da jurisdição, carga horária obrigatória nas escolas judiciais em um sistema de constante atualização.
Quanto aos "penduricalhos", posso afiançar que a magistratura do Trabalho não efetua tal prática. Recebemos os subsídios e, no máximo, auxílio-alimentação, reembolso parcial de plano de saúde e gratificação de acúmulo, esta apenas quando um único juiz acumula acervo que deveria ser distribuído a dois magistrados, o que acontece pela escassez de recursos humanos.
Por outro lado, há anos não recebemos reajuste, sequer para recompor as perdas inflacionárias, o que gera um quadro de queda de poder aquisitivo, assim como potencial deterioração de estrutura de trabalho pelos cortes orçamentários que já sofremos.
Não bastasse esse quadro, há tentativa, na reforma administrativa, de se retirar do Supremo Tribunal Federal a prerrogativa de propor projeto de lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura, alterando o artigo 93 da Constituição. Parece uma proposta democrática, já que, se aprovada, futuro projeto de lei viria do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário.
A questão, porém, não é tão simples assim. Um dos princípios elementares que regem a ideia da tripartição dos poderes, estrutural ao conceito de democracia em nosso país, permitindo um equilíbrio de forças, é justamente a independência e a autonomia de cada poder.
Permitir que Legislativo e Executivo possam interferir na iniciativa do Estatuto da Magistratura é dar carta branca para um possível desmantelamento do sistema de garantias e prerrogativas que protegem, a rigor, o cidadão e não o magistrado.
Parece discurso pronto para defesa de privilégios, eu sei, mas ninguém pode esquecer que, quando tudo dá errado, quando os seus direitos estão sendo vilipendiados, a última esperança é buscar amparo no Poder Judiciário, quando fatalmente se desejará encontrar pela frente um juiz de excelente nível técnico, imparcial, independente, dedicado ao seu mister, comprometido em garantir o que cabe a cada um conforme disposto no ordenamento jurídico.
Para isso, o magistrado não pode estar fragilizado, não pode estar em risco de perder seus próprios direitos, não pode estar acuado por retaliações, nem mesmo preocupado quanto à manutenção da sua remuneração atual e futura, bem como a aposentadoria, sendo certo que ao magistrado é vedada qualquer outra atividade remuneratória, salvo a docência.
Sim, soa defesa de privilégios, eu já reconheci, mas todo cidadão deve refletir a quem interessa fragilizar a magistratura. Vivemos em constante ataque midiático, generalizam-se desvios de comportamento de forma leviana, criam-se narrativas para desqualificar os membros da Justiça a partir de casos isolados.
Claro que sempre há o que melhorar, iniciei este texto fazendo esse reconhecimento. O que preocupa é o argumento que seduz o pensamento coletivo sem maiores reflexões, uma repetição de chavões que servem apenas para desestabilizar o sistema.
Críticas são sempre bem-vindas, como as que faço neste espaço quanto ao voluntarismo em decisões judiciais, justamente porque vejo ali grave risco aos direitos dos jurisdicionados, sendo papel de todos os que se dedicam à área debater os problemas que vivenciamos em busca de soluções.
Daí a fazer coro para a destruição de toda uma estrutura vai uma longa distância. E permitir que os demais poderes possam alterar as bases da magistratura pode ser um passo para a derrocada de todo um sistema que, apesar das mazelas, serve bem ao povo e ao ideal de democracia.
Infelizmente já existe, em nosso meio, a sensação de diminuição, provocando um fenômeno recente de perdas de profissionais para o setor privado, seja por aposentadorias precoces, seja por exoneração, para busca de melhores condições de trabalho e de remuneração.
Não bastasse o real estado de redução de prerrogativas e perdas remuneratórias, sofremos uma espécie de "assédio social". O que antes era motivo de orgulho passa a ser alvo constante de ataques por todos os lados, afetando psicologicamente o profissional que se vê, ainda, em constante tensão para manutenção da produtividade, passível de execração pública por qualquer erro que pratique, fora as naturais pressões que sempre sofremos pelo simples fato de estarmos na posição de decidir a vida alheia.
Acrescida a todos esses fatores a politização medíocre que vigora em qualquer campo da nossa sociedade, temos o caldeirão que consome o cotidiano de quem deveria, para garantia do próprio cidadão, apenas estar tranquilo e seguro para poder exercitar o poder que lhe foi imbuído.
Ao fim e ao cabo, parece verdadeira a famosa expressão: cuidado com aquilo que você deseja, pois você poderá conseguir. Otavio Torres Calvet é juiz do Trabalho no TRT-RJ, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e diretor da escola associativa da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT). Fonte: ConJur