Um brasileiro sozinho ganhou mais de R$ 1 bilhão em 2019 sobre o qual não precisou pagar nenhum centavo de Imposto de Renda.
Não são só bilionários os beneficiados por nosso sistema, que permite alíquotas de 0% para rendas do 1% mais rico de brasileiros no IR. São vários os "auxílios permanentes" para quem já está no topo.
Há quase dois anos, quando o Congresso aprovou o auxílio emergencial, esta Folha o noticiou como um benefício relativamente tímido, para cerca de 20 milhões de pessoas. Ainda não estava claro como a proposta do governo havia sido mudada.
Como relator do auxílio no Senado, porém, este senador conseguiu liderar o esforço de estendê- lo a mais de 60 milhões de pessoas, entendendo que não apenas os empregados informais deveriam ter direito à ajuda na mortal pandemia que se avizinhava, como também os desempregados, os conta-própria.
O auxílio emergencial reduziu a extrema pobreza e a desigualdade a níveis inéditos
– infelizmente temporariamente– e contribuiu para uma queda mais suave do PIB. Beneficiou
principalmente mulheres, negros, crianças.
Para fazer mais por esta maioria da população, é preciso vencer os "auxílios permanentes" que as elites recebem do Estado, como as isenções do sistema tributário. O que 4 dos 5 homens mais ricos do país têm em comum? Empresas que recebem gastos indiretos do governo via renúncia fiscal (gasto tributário).
Lutar contra a desigualdade e a pobreza não é só um imperativo ético, mas também uma necessidade para o crescimento econômico sustentável. Economistas produziram ampla literatura científica associando mais igualdade a mais crescimento. Sem oportunidades para todos, a sociedade fica privada de capital humano que deixa de ser desenvolvido e é, assim, desperdiçado.
Médicas ou engenheiras que nunca são formadas, pela alocação deficiente de recursos em políticas de desenvolvimento infantil, educação, mercado de trabalho. Sociedades desiguais também têm maior instabilidade – adversária do investimento— e incentivam o patrimonialismo – inimigo do esforço em inovação.
Dá para mudar. Estudos mostram que não é tanto a desigualdade que é atípica no Brasil, mas a incapacidade do Estado de reduzi-la. Finlândia ou França teriam Gini parecido com o nosso se não fosse o Estado tributando os mais ricos e gastando com os mais pobres.
Podemos ir além dos avanços dos governos do PSDB e do PT, em que se ampliou significativamente a cobertura da assistência, saúde e educação – mas em que a mordida do 1% mais rico sobre a renda até chegou a subir.
Este senador tem apresentado propostas há três anos para que seja a maioria quem se aproprie dos recursos públicos. A PEC do teto de pobreza para reordenar o gasto -e tributar mais os bancos mais lucrativos- em favor do desenvolvimento infantil. A PEC que prioriza crianças na proteção social e seus pais nas políticas de trabalho. A emenda pelo aumento do imposto sobre heranças para combater a pobreza. A proposta de incluir nos gatilhos fiscais a suspensão de isenções no IR sobre a renda de quem ganha mais de R$ 40 mil.
Reformas tributárias dos últimos governos não foram por aí. Mas este ideário, de uma social- democracia moderna, é compartilhado por outros projetos do Cidadania (como o que tributa as maiores rendas para custear um orçamento da primeira infância, da senadora Eliziane) e do Acredito (como o que inclui os gastos tributários no teto de gastos, da deputada Tabata).
A reforma tributária —por mais igualdade, produtividade e eficiência ambiental— deve ser o carro-chefe de um pacto para a maioria. Mas há ainda uma agenda da melhora do gasto (previdência militar, reforma administrativa) e inclusão em áreas reguladas pelo Estado (abertura do mercado de trabalho, das cidades, do sistema bancário).
Se essa mudança parece impossível —e é difícil– também parecia impossível reformar a Previdência ou pagar uma renda básica como o auxílio. O legado trágico da pandemia é uma chance para derrubar tabus e construir um pacto mais radical por maior igualdade.
Série traz pensamento econômico de pré-candidatos à Presidência. A editoria Mercado publica artigos sobre questões econômicas consideradas sensíveis por pré-candidatos à Presidência da República. A proposta é dar início ao debate de temas que devem nortear boa parte da campanha. Os artigos são assinados em sua maioria por economistas que participam do grupo de apoio aos pré-candidatos.
De acordo com sua assessoria, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) está iniciando conversas com consultores econômicos e ainda não tem porta-voz na área. Convidado a representar o presidente Jair Bolsonaro, que disputará a reeleição, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prefere não se manifestar no momento.
Ilustração de Luciano Veronezi
Fonte: Folha de SP