Opinião: Reforma tributária: dividendos e a dupla tributação




16/08/2021 - 08:18

Opinião: Reforma tributária: dividendos e a dupla tributação

Por Bruno Marques Santo e Milton Schivitaro Neto

Parece que a tributação dos dividendos de fato voltará a existir no Brasil. Após a apresentação do Projeto de Lei 2.337/21 pelo Poder Executivo no final de junho, muitas foram as críticas e discussões realizadas tanto no meio acadêmico quanto no ambiente de negócios, que culminaram com a apresentação de dois textos substitutivos e com a contribuição de diversos setores para o necessário debate em torno da reforma da tributação da renda.

Se a tributação sobre dividendos será de 20%, 15% ou 12%, se impactará na redução proporcional da tributação da renda corporativa ou resultará em um aumento de carga efetiva, ainda é cedo para prever. Contudo, uma análise que deve ocupar outro patamar para grupos multinacionais (ou, multinational corporation, MNC) com operação no Brasil é a aplicação dos acordos [1] internacionais para evitar a dupla tributação nas remessas de dividendos de suas unidades locais para o exterior.

Desde 1996, após a publicação da Lei nº 9.249/1995, os dividendos passaram a ser considerados rendimentos isentos do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas, residentes no Brasil ou no exterior.

Com essa determinação, as disposições previstas nos Acordos para Evitar a Dupla Tributação (ADT) para dividendos assumiram um caráter secundário pelo menos sob a perspectiva da tributação do Brasil, uma vez que, independentemente dos limites fixados em normas convencionais para a tributação desse rendimento, teria a isenção irrestrita prevista na legislação interna.

Entretanto, a reforma seguramente mudará esse panorama e a análise dos tratados terá que também ser feita quanto ao artigo 10 [2], que estabelece o tratamento tributário dados aos dividendos pagos entre empresas residentes nos Estados signatários da convenção.

Dentro desse aspecto, o primeiro ponto de atenção que surge é a limitação da alíquota do imposto de renda no país de fonte sobre as remessas de dividendos ao exterior. As MNCs com negócios no Brasil deverão se atentar para os limites impostos à tributação na fonte brasileira, com a possibilidade de se beneficiar de uma alíquota possivelmente inferior àquela prevista na reforma, já que, como regra, o limite máximo é inferior a 20% (alíquota que mais tem sido cogitada para tributação dos dividendos). Como, por exemplo, nas convenções com Argentina, Chile, México, Peru, Portugal e Suíça o limite máximo é de 10% ou 15% [3], com Canadá, China, Espanha, França, Itália e Países Baixos é de 15%.

Outro importante elemento que deve ser destacado se refere aos métodos de eliminação, ou atenuação, da dupla tributação. Talvez os dois principais métodos para evitar a ocorrência deste fenômeno sejam: 1) o método da isenção, segundo o qual o país de residência exclui os rendimentos de fonte estrangeira da apuração do imposto doméstico; e 2) o método da imputação, ou método de crédito, que resulta na inclusão do rendimento auferido no exterior na apuração do imposto local, sendo garantido um crédito tributário referente ao imposto pago no país da fonte.

Via de regra, como a Convenção Modelo da OCDE prevê a possibilidade de tributação dos dividendos no país da fonte pagadora e também no país de residência do beneficiário dos rendimentos (alguns rendimentos tem tratamento tributário mais restrito na referida convenção, sendo vedada a tributação por um ou outro Estado), o método da imputação pode ser comumente verificado.

Sob a perspectiva da tributação do Brasil como país de residência, os textos dos tratados com França, Japão, Luxemburgo, México, Países Baixos e Suíça trazem exemplos desse método, segundo o qual o valor do imposto pago no país da fonte deduzirá o imposto devido no Brasil limitado ao imposto que seria devido aqui, e somente sobre esse rendimento.

Já sob a ótica do Brasil como país de fonte, é possível observar a presença da cláusula dematching credit, chamada também de crédito presumid, no texto de diversos acordos, podendo-se citar como exemplo França, Itália, Japão, Luxemburgo e Países Baixos.

Essa cláusula prevê que o crédito a ser conferido pelo país de residência seja um valor prefixado no texto do tratado e superior ao resultante da aplicação da alíquota convencional prevista no país de fonte. Logo, essa previsão garante que não haja distorções nos efeitos práticos do acordo para o país de fonte, permitindo o aproveitamento de crédito mesmo para contribuinte que sejam contemplados por benefício fiscal, e é frequentemente encontrada em convenções que envolvam países que se encontrem em níveis diferentes de desenvolvimento econômico, como incentivo ao progresso do Estado menos favorecido [4].

Além dessas diferenças, outras peculiaridades podem ser observadas, tal como:

a) Métodos de eliminação da dupla tributação diferentes a depender do percentual do capital social detido pelo sócio, Itália e Luxemburgo, além do matching credit já citado, preveem isenção do dividendo brasileiro se o seu nacional detiver 25% ou mais do capital da empresa no Brasil;

b) Regras de LOB (Limitation of Benefits Rule) e Cláusulas PPT (Principal Purposes Test) que visam a reduzir o acesso de determinado contribuinte a aproveitar-se das disposições dos tratados, caso seja razoável concluir que sua única intenção no arranjo comercial adotado era se aproveitar dos benefícios previstos no tratado, previstas especialmente nos acordos mais novos;

c) Cláusulas de tax sparing na convenção com o Japão;

d) Aplicação do método de imputação de crédito indireto nos acordos com China, México e Peru, que garante nesses países crédito no valor não do imposto retido sobre dividendos brasileiros, mas em montante igual ao imposto que foi pago pela sociedade brasileira no momento da tributação do seu lucro no Brasil.

É possível perceber que, apesar de possivelmente observados em relação a outras remessas internacionais (royalties, serviços, ganhos de capital), a complexidade agregada pelos tratados internacionais sob a ótica dos dividendos não é simples.

Assim, muito embora potenciais benefícios possam ser extraídos destes atos, como não há uma regra comum a todos eles, a análise "caso a caso" será de extrema importância na tentativa de reduzir eventual aumento de carga que possa ser provocado pela reforma.


[1] A fim de facilitar a leitura e compreensão, pede-se licença para o emprego dos termos "acordo", "tratado" e "convenção" como sinônimos no presente texto, apesar de suas possíveis diferenciações na doutrina.
[2] Os acordos internacionais para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal costumam seguir a chamada "Convenção Modelo" preparada pela OCDE, cujo original pode ser encontrado em https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/model-tax-convention-on-income-and-on-capital-condensed-version-2017_mtc_cond-2017-en#page34.

[3] A aplicação de um ou outro limite depende da participação da empresa estrangeira no capital social da empresa no Brasil responsável pelo pagamento dos dividendos. A depender do tratado, a participação mínima para observância do limite de 10% pode ser de 10%, 20% ou 25%. A lista dos tratados em vigência pode ser encontrada no sítio eletrônico https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao.

[4] Para saber mais sobre o tema, recomenda-se: SCHOUERI, Luis Eduardo. Acordos de Bitributação i Incentivos Fiscais: O Papel das Cláusulas de Tax Sparing & Matching Credit. Revista ESMAFE - Escola de Magistratura Federal da 5a. Região, Recife, n. 10, pp. 213-222, 2006.Disponível em: https://www.academia.edu/42087880/ACORDOS_DE_BITRIBUTA%C3%87%C3%83O_E_INCENTIVOS_FISCAIS_O_PAPEL_DAS_CL%C3%81USULAS_DE_TAX_SPARING_and_MATCHING_CREDIT?email_work_card=view-paper. Acesso em: 26 jul. 2021.

   é advogado especialista da área Tributária Consultiva e sócio do escritório Finocchio & Ustra.

 é advogado especialista da área Tributária Consultiva do escritório Finocchio & Ustra.

  Fonte: ConJur

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