Os argumentos distorcidos dos críticos à PEC 110

Problemas da tributação brasileira sobre o consumo não se resumem ao ICMS e ao PIS/Cofins não cumulativo


17/05/2022 - 21:19

No artigo “PEC 110 e os riscos de um salto no escuro”, publicado no blog de Fausto Macedo no Estadão no dia 30 de março, os autores, conhecidos opositores de uma reforma abrangente da tributação do consumo, elencaram uma série de argumentos contra o imposto sobre o valor adicionado (IVA). Somos a favor do debate franco de ideias sobre diferentes alternativas para a reforma tributária no Brasil. Não podemos admitir, no entanto, que esse debate se baseie em informações distorcidas e inverídicas.

A seguir apresentamos alguns comentários sobre os argumentos e fatos citados no artigo:

  • Os problemas da tributação brasileira sobre o consumo não se resumem ao ICMS e ao PIS/Cofins não cumulativo, tal como o artigo defende.
  • O ISS é um grande problema do ponto de vista da competitividade da produção brasileira com relação à produção feita em outros países. O ISS é um tributo plenamente cumulativo, não sendo possível a sua desoneração nas exportações e nos investimentos, o que resulta em perda de competitividade e potencial de crescimento para o país. Este problema tende a se agravar, pois cada vez mais a produção industrial, e mesmo a produção agropecuária, tende a utilizar serviços qualificados como insumos.
  • A separação da tributação de bens e serviços entre ISS e ICMS também é grande geradora de litígio no Poder Judiciário. Os casos são vários, como, por exemplo, a polêmica sobre a tributação de streaming e download de softwares.
  • O artigo defende que é melhor atacar os problemas pontuais dos atuais tributos em vez de copiar “modelos de países que não tem nada a ver com o Brasil”. Esquecem os autores, porém, que o IVA é aplicado em 176 dos 195 países do mundo, o que corresponde a 90,25% da totalidade dos países. Isto significa que o IVA é adequado para todos os tipos de realidades, tamanhos, graus de desenvolvimento e o Brasil não tem absolutamente nenhuma característica especial que impeça a adoção de um IVA.
  • A afirmação de que países como Estados Unidos e China tributam bens e serviços com alíquotas diferentes é falaciosa. No caso dos Estados Unidos, o sistema é de retail sales tax (imposto sobre vendas a varejo), um modelo muito diferente e comprovadamente pior que o IVA. Quanto aos países com IVA, não há país no mundo que tribute mais todos os bens e menos todos os serviços, como sugere o artigo. Não há, na experiência internacional de IVA, a distinção entre bens, sendo mais tributados, e serviços, na sua totalidade, menos tributados. Mesmo em países europeus, que possuem um IVA antigo e, portanto, com várias alíquotas, não há essa separação. No Reino Unido, por exemplo, a alíquota do IVA é de 0% sobre roupas de crianças e de 20% sobre hotéis e serviços de TV a cabo. O mesmo acontece com a China. Alguns países tributam bens e serviços com alíquotas diferentes, mas não como querem sugerir os autores, de que esses países tributam mais todos os bens e menos todos os serviços.
  • Já o exemplo dado sobre a França é duplamente falacioso. A França possui diversos problemas econômicos, como um Estado gigantesco que leva a uma carga tributária elevadíssima, excesso de burocracia, legislação trabalhista ultrapassada, entre outros. Afirmar que o fato de a França não crescer é prova de que o IVA não é benéfico para a economia é uma falácia. Além disso, os autores estão equivocados ao afirmar que a França possui um IVA com alíquota uniforme de 20%. A alíquota de 20% é a padrão, mas existem alíquotas reduzidas, inclusive para bens. Esses são os casos, por exemplo, de alimentos, produtos agrícolas e medicamentos, que têm alíquotas reduzidas variando entre 2,1% e 10%.
  • O artigo segue com afirmações falsas, como aquela que diz que a implantação do IVA na Austrália levou o país a um ano de recessão. O IVA foi implantado na Austrália em 2000 e o país registrou crescimento de 3,9% naquele ano, de 2% em 2001, de 4% em 2002 e seguiu com crescimentos sistemáticos no PIB até 2020, quando teve variação nula (0%).
  • Os autores ainda citam trecho de um artigo que criticaria o IVA canadense, chamado de GST. Os autores esqueceram, porém, de citar outros trechos do mesmo artigo em que se enumera uma série de benefícios que o IVA trouxe ao Canadá, como neste trecho: “A experiência do Canadá com o GST serve para reforçar que o aumento da competitividade no comércio internacional, mesmo sob condições econômicas voláteis, é um objetivo concebível de países com sistemas de tributação sobre o valor adicionado”. Além disso, o artigo afirma que as estimativas pessimistas de impacto inflacionário com a implementação do GST não se confirmaram, “refutando as perspectivas catastróficas dos críticos e encorajando a imagem do GST”. O mesmo artigo citado pelos autores afirma que o modelo de devolução do GST para as famílias mais pobres “alerta os especialistas para concluir que o Canadá lidera o grupo entre os países com impostos sobre valor agregado para mitigar os efeitos regressivos sobre famílias de baixa renda”. Por fim, o artigo finaliza afirmando que, “no geral, a experiência canadense com o GST é positiva”.
  • Por fim, os autores criticam a ausência de estudos sobre o impacto macroeconômico, setorial, orçamentário e social da PEC 110, dizendo que os poucos estudos disponíveis referem-se à PEC 45, e ainda citando questionamentos sobre a metodologia de um desses estudos. A verdade é que há estudos sobre todos esses temas.
  • No que diz respeito ao impacto macroeconômico, os efeitos da PEC 110 tendem a ser muito semelhantes aos da PEC 45, pois a base das mudanças (substituição dos tributos atuais por IVAs de base ampla, com regras homogêneas e cobrados no destino) é basicamente a mesma. Há pelos menos três estudos que avaliam o impacto macroeconômico dessa mudança — Bráulio Borges (IBRE-FGV), Edson Domingues e Débora Cardoso (UFMG) e João Maria Oliveira (IPEA) —, e todos indicam um impacto positivo sobre o crescimento. Com relação às críticas à metodologia de Borges (FGV), o fato é que os críticos não apresentam qualquer sugestão de metodologia alternativa. Sobre os demais estudos, não conhecemos qualquer crítica à metodologia usada.
  • Com relação ao impacto setorial, Domingues e Cardoso (UFMG) apresentam uma estimativa de impacto setorial da reforma da tributação do consumo, mostrando que, mesmo com estimativas conservadoras de impacto da reforma sobre a produtividade, o efeito é positivo para todos os setores da economia brasileira. Boa parte desses efeitos são consistentes com a PEC 110, pois resultam da eliminação da cumulatividade do sistema tributário nacional e da adoção de uma alíquota uniforme para bens e serviços, que é a base da PEC 110. É verdade que a PEC 110 abre a possibilidade de tratamento diferenciado e favorecido para alguns setores, mas esses serão regulamentados por lei complementar. Quando houver essa regulamentação, será possível atualizar as estimativas de impacto.
  • Já com relação ao impacto social da reforma, há pelo menos dois estudos feitos por Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti (IPEA) e Domingues e Cardoso (UFMG) que mostram que a adoção de alíquota uniforme sobre bens e serviços tem um efeito positivo sobre a distribuição de renda, pois reduz a tributação sobre o que os mais pobres consomem e aumento a tributação sobre o consumo dos mais ricos.
  • Finalmente, com relação ao impacto orçamentário, os cálculos de Sérgio Gobetti, cuja metodologia foi considerada sólida em nota técnica da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal (2022), indicam que a reforma beneficia sobretudo os entes da federação de menor renda, que beneficia a grande maioria dos municípios brasileiros.
  • O mais estranho não é que Passos, Diniz e Macedo aleguem que não há estudos sobre o impacto da PEC 110. O que realmente surpreende é que não há nenhum — absolutamente nenhum — estudo sobre o impacto macroeconômico, setorial, social e federativo do modelo que esses autores querem que seja aprovado no lugar da PEC 110, conhecido como Simplifica Já.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Fonte: JOTA

 

Observatório Econômico
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