Os pleitos dos procuradores e os riscos que trazem à Reforma Tributária

Por Rodrigo Spada - Presidente da FEBRAFITE


10/07/2024 - 10:55

Quando finalmente decidimos, como nação, atravessar esse longo e complexo processo de reforma do nosso sistema tributário, nós o fizemos porque sabíamos que os benefícios que nos esperam depois da travessia compensam o esforço. Toda energia empreendida nessa tarefa, por exemplo, encontra recompensa no fato de que, concluída a reforma, reduziremos o contencioso judicial tributário brasileiro. O destino é animador e o caminho é promissor, mas exige que abandonemos antigos vícios ao longo do percurso: não chegaremos aonde queremos se insistirmos na prevalência de interesses setoriais sobre os coletivos.

Cabe, portanto, um alerta: os pleitos de mudança nos projetos de lei de regulamentação da reforma (PLP 68/2024 e PLP 108/2024) que têm sido apresentados e defendidos pelos procuradores estaduais vão carregar para o novo sistema vícios do modelo antigo. Em linhas gerais, o objetivo das propostas é enfraquecer as instâncias de cobrança administrativa de débitos – mais baratas e eficientes para o Estado e a sociedade – para fortalecer os meios de cobrança judicial – mais caros e ineficientes para todos, mas que geram pagamentos de honorários à classe dos procuradores.

Ao apresentarem emenda propondo, por exemplo, a redução do prazo de inscrição dos débitos tributários na dívida ativa de seis meses para apenas três meses, os procuradores ignoram tanto dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que mostram que a cobrança judicial tem baixa arrecadação, tempo excessivo de tramitação, incentivo à litigiosidade e sobrecarga da máquina judiciária; como recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) no sentido de maximizar o pagamento voluntário da dívida antes da aplicação de medidas impositivas, como a execução fiscal.

Uma abordagem compromissada com o interesse público deveria se valer também da produção acadêmica e das boas práticas internacionais. Cito um exemplo da Filadélfia (EUA), onde foi realizado experimento com o envio por carta de mensagens a contribuintes devedores. Comparando os contribuintes que receberam as mensagens com um grupo de controle que não as recebeu, foi constatada a eficiência do método de cobrança. Com os resultados desse experimento, o órgão de receita do estado decidiu implantar o envio de mensagens e atrasar o encaminhamento de débitos para a cobrança via advogados.

Há um incontornável conflito entre a presença de procuradores no Comitê Gestor e a tentativa de instaurar um sistema tributário com menos litigiosidade. Isso acontece porque o litígio, além de ser a matéria-prima do trabalho da classe, gera aos procuradores honorários advocatícios no patamar de 20% do valor em disputa. Há, então, um claro incentivo ao contencioso. A Administração Tributária, por sua vez, não recebe honorários e tem como norte de sua atuação na arrecadação tributária a prevenção dos conflitos.

Não bastassem desconsiderar o melhor interesse público, os pleitos apresentados pelos procuradores também desrespeitam a Constituição Federal. Ao pugnarem por representação paritária à da Administração Fazendária na composição do Comitê Gestor do IBS sob pretexto participarem da gestão e acompanhamento da arrecadação do tributo, invadem atribuição específica da Fazenda Pública, ignorando o fato de que somente carreiras com dedicação exclusiva podem participar da Gestão Fazendária. É uma restrição necessária, já que o acesso a dados sob sigilo fiscal pode distorcer o ambiente concorrencial em lides privadas. É necessário, no mínimo, que se impeça a participação no Comitê Gestor do IBS das carreiras que também advogam na esfera privada.

A gestão da arrecadação e a atuação administrativa na fase de contencioso administrativo são funções típicas das administrações tributárias, como preconiza o inciso XVIII do artigo 37 da Constituição Federal: “a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei”.

De todas as mudanças que essa profunda reforma no sistema de tributação sobre o consumo exige de nós, a mais difícil é convencer a todos os atores interessados de que o compromisso com o bem comum nos traz mais benefícios do que a soma de pequenos e interessados compromissos setoriais. Os objetivos republicanos que nos servem de combustível para esta longa jornada não podem ser ameaçados por ganhos de segmentos específicos, seja do setor público ou privado.

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RODRIGO SPADA – Auditor fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo). Formado em Engenharia de Produção pela UFSCar e em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA.

 

FONTE: JOTA

FOTO: José Cruz/Agência Brasil

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