Para entrar na OCDE, Brasil precisa fazer reforma tributária

Considerada uma das pautas prioritárias do atual governo, a reforma tributária ainda não saiu do papel. Com o início das discussões para adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que exige mecanismos de tributa


14/02/2022 - 09:06

Considerada uma das pautas prioritárias do atual governo, a reforma tributária ainda não saiu do papel. Com o início das discussões para adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que exige mecanismos de tributação mais simples, a pressão por mudanças no arcabouço fiscal do país cresce. Mas, com a proximidade do início da campanha eleitoral, as chances de uma reforma ampla sair do papel vão se tornando cada vez menores.

De 2020 para cá, três propostas que alteram o sistema de impostos de maneira mais ampla começaram a tramitar, mas os múltiplos interesses envolvidos têm travado o avanço dos textos.

No dia 2, por ocasião do início do ano legislativo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve no Congresso e fez um pedido público para que os parlamentares aprovem a reforma tributária. “Diversos projetos legislativos merecem atenção e análise do Congresso Nacional, neste ano de 2022, para a consecução dos programas e das políticas públicas em curso. Aqui, destacamos o da Portabilidade da Conta de Luz, o do Novo Marco Legal das Garantias e o da reforma tributária”, disse o mandatário.

Na portaria em que explicitou suas prioridades no Congresso em 2022, publicada na última quarta-feira (9), o governo incluiu vários projetos que mexem na legislação tributária.

No mesmo sentido, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também defenderam a reforma tributária como tema prioritário na agenda legislativa de 2022.

“Temos o compromisso de avançar nas propostas que já estão em discussão, como é o caso especial da PEC 110. Este pleito é do setor produtivo, dos contribuintes, dos entes subnacionais. Sabemos da complexidade do tema, mas entendemos que o crescimento de nosso país depende disso, sendo uma prioridade do Congresso Nacional para 2022”, declarou Pacheco.

“A necessidade de reformar o sistema tributário brasileiro é matéria unânime. Todos concordam que a complexidade do nosso arcabouço de impostos, taxas e contribuições, é uma âncora que trava o crescimento do país”, disse Lira.

Relembre as principais iniciativas que tramitam no Congresso em torno da reforma do sistema tributário brasileiro:

Contribuição sobre Bens e Serviços

A primeira aposta do governo para alterar minimamente o arcabouço fiscal foi o projeto de lei (PL) 3.887/2020, apresentado ainda em julho de 2020. O texto prevê a unificação do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) em um único imposto de valor agregado federal, chamado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que teria alíquota de 12%.

Ao apresentar a proposta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, explicou tratar-se apenas da primeira etapa da reforma, que seria dividida em quatro partes. Embora bastante restrita, a mudança traria como novidade uma simplificação do atual modelo, cuja legislação tem mais de duas mil páginas, com regimes diferenciados por setor, além de incidência sobre folha de pagamento, receita e importação. Por unificar dois impostos, a proposta também acabaria com a cumulatividade.

Embora fosse considerado o pontapé inicial do processo de reforma do sistema tributário, o projeto está parado desde que chegou à Câmara. Logo após a apresentação, o Executivo chegou a protocolar pedido de urgência para o projeto, que acabou retirado na sequência. Em junho de 2021, o deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP) foi designado relator da matéria, mas até agora não foi constituída comissão especial para análise do texto.

Reforma do Imposto de Renda

A segunda proposta apresentada pelo governo, o PL 2.337/2021, que altera regras do Imposto de Renda (IR), avançou um pouco mais. Entregue por Guedes a Lira em junho de 2021, o texto acabou bastante modificado na Câmara e foi aprovado na forma de um substitutivo de autoria de Celso Sabino (PSL-PA), relator da matéria na Casa.

A versão aprovada pelos deputados prevê o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) dos atuais R$ 1.903,98 para  R$ 2,5 mil e uma redução de 7 pontos na alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e de até 1 ponto na da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), condicionada à revogação de benefícios fiscais.

Outra mudança prevista é a volta da tributação sobre lucros e dividendos, isentos desde 1996. A alíquota ficaria em 15% sobre esse tipo de rendimento – o governo defendia um porcentual de 20%. O texto ainda extingue os Juros sobre Capital Próprio (JCP) para empresas e altera alíquotas de ganhos com renda fixa e variável, além de prazos para apuração de ganhos na bolsa.

Encaminhado ao Senado em setembro de 2021, o PL estacionou. Em novembro, Lira chegou a cobrar Pacheco publicamente sobre a tramitação do projeto. “Nós tínhamos um acordo com relação ao Imposto de Renda que até hoje não foi honrado”, disse em uma entrevista à "Folha de S.Paulo".

“O projeto do Imposto de renda eu estou cumprindo fielmente aquilo que eu me comprometi com os senadores, que é de submeter a eles, através da Comissão de Assuntos Econômicos [CAE] uma reflexão que possa ter a participação de todos”, disse o presidente do Senado em entrevista a jornalistas na saída de um evento no mesmo dia.

Relator da matéria na CAE da Casa, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) critica duramente o teor da proposta, diz não ter prazo para apresentar um relatório, e protocolou um projeto em separado, contemplando apenas a alteração nas faixas de isenção do IRPF.

Entidades que representam estados e municípios também são contrárias ao projeto. Nos cálculos do Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), as alterações propostas gerariam perdas bilionárias para os entes subnacionais. A estimativa é de que anualmente o Fundo de Participação dos Estados (FPE) teria uma redução de R$ 4,8 bilhões, enquanto o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) perderia R$ 5,6 bilhões.

PEC 110

Apresentada em 2019 por iniciativa de senadores, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 110, que tem um escopo muito mais amplo, foi inicialmente rejeitada pela equipe econômica do governo. O ministro Paulo Guedes era contra a ideia de unificar impostos de âmbito federal, estadual e municipal, eixo principal da proposta.

Em 2021, no entanto, a matéria ganhou novo fôlego após meses de negociação do relator da PEC, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), com representantes do governo federal, de estados e municípios.

Em seu relatório, apresentado em outubro do ano passado, Rocha propõe a criação de um imposto sobre valor agregado (IVA) “dual”. Nesse modelo, haveria um tributo de competência federal, a CBS, já prevista no PL 3.887/2020, e um segundo subnacional, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição aos atuais ICMS e ISS, recolhidos por estados e municípios, respectivamente.

Também é prevista a criação de um imposto seletivo, em substituição ao IPI, com finalidade extrafiscal, para desestimular o consumo de determinados produtos ou serviços nocivos ao meio ambiente ou à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas.

Outras medidas que constam do substitutivo incluem a restituição do IBS para famílias de baixa renda; a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), abastecido com a receita do novo imposto; e incidência do IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos, como lanchas, iates, jet skis, jatinhos e helicópteros.

A PEC tem o aval do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que deve dar prioridade à pauta neste início de ano. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP), já disse que pretende pautar a leitura e votação do texto no colegiado e encaminhar a proposta ao Plenário do Senado ainda em fevereiro, junto com um pedido de urgência.

Líder do governo no Congresso não vê chances de aprovação de reforma ampla

Apesar do discurso alinhado entre Planalto e Congresso em torno da aprovação da reforma tributária, o líder do governo no Congresso, deputado Eduardo Gomes (MDB-TO), diz ver chances de aprovação apenas de uma “pequena reforma”, focada em impostos que incidem sobre combustíveis.

Divergências entre base e oposição, governo federal e governadores e prefeitos, os diversos setores da economia e mesmo entre as Casas legislativas e o Executivo foram algumas das razões que dificultaram o andamento das matérias no ano passado.

“Ainda tem tempo, principalmente depois do anúncio da carta-convite da OCDE, de fazer alguma coisa de introdução de reforma tributária. Não acredito em reforma mais ampla agora”, disse, em entrevista recente ao jornal “Valor Econômico”.

“Como entrou o debate dos combustíveis, acabou abrindo um ambiente em que esse assunto vai ter de ser discutido. Tem um contexto ali para que a gente possa aprovar alguma coisa, mas o prazo é muito pequeno. Acho que vamos ter 90 dias de serviço útil de Congresso neste ano até a eleição”, afirmou.

Na oposição, o tema também não é visto como prioridade. “Os principais temas que o Congresso deve votar neste ano são temas que dizem respeito à recuperação econômica do país, já que a nossa economia vai muito mal; temas que digam respeito à inclusão social, à oferta de oportunidades e à garantia de uma renda básica para todos os brasileiros; e também temas que digam respeito à proteção ao meio ambiente, já que nos últimos anos houve muitos retrocessos nesta área”, disse o líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), à Agência Câmara de Notícias.

 

Foto: Pedro França/Agência Senado

Fonte:  Gazeta do Povo

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