A reforma tributária deve levar a uma profunda reestruturação da logística das empresas brasileiras, eliminando movimentações de mercadorias que têm como único objetivo colher benefícios fiscais entre estados. É uma questão que vai afetar os movimentos em portos e estradas e a localização de centros de distribuição.
A guerra fiscal entre estados faz com que muitos produtos saiam de indústrias em São Paulo para armazéns ao longo da rodovia Fernão Dias, em cidades como Extrema (MG), e voltem para galpões no Rodoanel paulista, em uma espécie de turismo tributário em busca de benefícios fiscais.
Também há incentivos para que a carne de um boi criado em São Paulo viaje para um estabelecimento em Goiás antes de retornar ao mercado paulista; para que a importação de um produto seja feita via Santa Catarina e Espírito Santo; ou para que a soja do Centro-Oeste faça uma parada em uma comercializadora paulista antes de embarcar para o exterior.
A reforma extingue esses benefícios regionais em 2033, com exceção da Zona Franca de Manaus. Também centraliza a arrecadação em um Comitê Gestor que transfere as receitas para o estado em que está o consumidor. O dinheiro não fica mais com o local de produção, como hoje. Com isso, a movimentação anterior da mercadoria não interfere no tributo.
Sergio Fischer, CEO (diretor executivo) da Log Commercial Properties, uma das líderes na construção e administração de condomínios de galpões no Brasil, afirma que a reforma tributária acaba com uma série de distorções no mercado logístico do Brasil que não fazem sentido econômico. Com isso, muitas empresas vão repensar sua estrutura levando em conta local de matérias-primas, mão de obra qualificada e proximidade com o consumidor.
"A reforma ajuda muito o nosso modelo de negócio. O cliente vai querer estar mais próximo dos centros populacionais que estão gerando consumo. Vamos ver uma migração de galpões para essas cidades", afirma.
Fischer diz que quase 80% do parque logístico nacional está próximo ao eixo Rio-São Paulo e que há uma carência de galpões de qualidade fora dessas praças. Para ele, o crescimento do comércio eletrônico e a reforma vão ajudar a espalhar essa infraestrutura pelo país.
"A gente vê clientes fechando galpões em algumas cidades que não fazem sentido. A questão fiscal ficou de lado. As empresas estão migrando para a qualidade, e essa reforma vai ajudar nesse sentido."
O principal vilão da guerra fiscal que traz as distorções atuais não é a alíquota do ICMS, imposto estadual que será extinto, mas um mecanismo chamado de crédito presumido, afirma o auditor fiscal Ângelo de Angelis, diretor do Movimento Viva da Afresp (associação dos auditores de São Paulo).
De forma simplificada, esse crédito tributário permite à empresa pagar um imposto menor do que o informado na nota fiscal (1% no lugar de 18%, por exemplo) para o governo que deu o benefício e ainda cobrar a diferença (17% nesse caso) do estado para onde foi a mercadoria.
A simples redução de alíquota não tem efeito semelhante, pois, quando a venda é para outro estado, este pode cobrar a diferença do ICMS. Por isso, é importante manter a alíquota cheia na nota, "presumindo" que aquele imposto foi totalmente pago.
A maior parte desses benefícios foi considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas os governadores conseguiram adiar sua extinção para 2032. A reforma acelera o fim desses incentivos, que serão reduzidos no período de transição dos tributos atuais para os novos, de 2029 a 2032.
A partir de 2033, os estados que quiserem manter empresas e centros de distribuição terão de usar o Fundo de Desenvolvimento previsto na reforma para investir na manutenção ou ampliação dessa infraestrutura. No lugar do benefício fiscal pouco transparente e que prejudica a arrecadação dos estados, afirma de Angelis, entra um sistema mais eficiente de desenvolvimento regional.
Ele lembra que muitos desses benefícios eram secretos e tiveram de ser divulgados nos últimos anos, mas diz que muitas informações continuam escondidas em uma espécie de caixa preta.
"As empresas estruturaram toda sua logística com base nesses benefícios. Agora, vão ter de se reestruturar para manter os centros de distribuição que realmente fazem sentido", afirma o auditor da receita paulista."
Parte da movimentação logística atual também busca driblar a regra da substituição tributária do ICMS, que é a cobrança no primeiro elo da cadeia de produção, com objetivo de reduzir a sonegação, tendo como base uma estimativa de preço ao consumidor. Na transferência entre centros logísticos de diferentes estados, as empresas podem pedir o ressarcimento ao estado de origem e não há a mesma garantia de pagamento do imposto nas etapas seguintes.
A reforma prevê o fim desse mecanismo, que onera até as empresas do Simples Nacional.