Com a reforma administrativa estacionada no Congresso Nacional, o governo federal adotou uma série de medidas que não dependem do aval do Legislativo para conter os gastos com pessoal. O resultado do que a equipe econômica chama de "reforma administrativa silenciosa" ou "invisível" foi que a despesa da União com a folha de pagamento caiu ao menor nível em pelo menos 25 anos.
Em 2021, o gasto com pessoal e encargos foi de R$ 329,3 bilhões, o equivalente a 3,79% do Produto Interno Bruto (PIB). O índice, pouco menor que o registrado em 2013 e 2014 (3,85% do PIB em ambos os anos), foi o mais baixo da série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 1997.
A equipe econômica atribui a contenção de gastos a fatores como a redução na taxa de reposição de servidores aposentados, que colaborou para reduzir o quadro de pessoal, e o avanço da digitalização de serviços públicos. Há outro fator determinante para o sucesso dessa "reforma silenciosa": o congelamento de salários da maioria do funcionalismo desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL), em parte por imposição da lei de combate à pandemia, que vedou aumentos em todo o setor público de meados de 2020 até o fim de 2021.
Um eventual reajuste de 5% para todos os servidores a partir de julho, que teria sido definido pelo governo na quarta-feira (13), teria impacto R$ 6,3 bilhões nas despesas de 2022, segundo estimativa de fontes da equipe econômica repassadas à imprensa.
O valor equivale a pouco menos de 2% da previsão original do governo para gastos com pessoal e encargos neste ano, de R$ 336,1 bilhões. Como o PIB nominal deve subir bem mais que isso (ao menos 8%, a julgar pelas expectativas de inflação e crescimento real da economia), é provável que o reajuste salarial não faça grande mudança na relação entre gasto com servidores e PIB, ao menos num primeiro momento.
A questão é se o reajuste ficará mesmo limitado a 5%. Categorias em greve, que em geral pedem aumento de ao menos 20%, já relataram insatisfação com o porcentual de aumento que veio a público. Também há dúvida sobre o que pode ocorrer de 2023 em diante. Antes de definir a questão salarial deste ano, Bolsonaro já havia prometido um aumento para todos os servidores no ano que vem.
Veja Também:
Empresários pedem liberdade, CPMF e limites a agências reguladoras. O que está em jogo
Brasil caminha para ser o quinto maior exportador de petróleo do mundo em dez anos
O funcionalismo federal travou briga com o governo e está mobilizado desde o ano passado por recomposição de perdas salariais, realização de novos concursos para reposição de pessoal, reestruturação de carreiras, regularização de benefícios e outras reivindicações.
O gatilho para o movimento foi a promessa do presidente de conceder reajuste salarial apenas às forças de segurança federais, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e o Departamento Penitenciário Nacional. Em março, Bolsonaro acenou com a possibilidade de aumento de 5% para todos os servidores federais a partir de julho, que agora pode se concretizar.
O governo terá de remanejar outras despesas para conceder esse reajuste, uma vez que o impacto dele sobre as contas (R$ 6,3 bilhões) é de quase quatro vezes o valor reservado no Orçamento para reajustes e reestruturação de carreiras (R$ 1,7 bilhão).
Congelamento de salários na pandemia
Uma das medidas recentes que mais contribuiu para a contenção do gasto com pessoal foi a aprovação da Lei Complementar 173, em 2020, que suspendeu reajustes de salários de servidores públicos por 18 meses, como contrapartida pelos recursos financeiros destinados a estados e municípios para o combate à pandemia.
Estimativas iniciais do Ministério da Economia à época da discussão da Lei apontavam para uma economia de cerca de R$ 130,5 bilhões até o fim de 2021 com a medida. Após mudanças no texto, que blindaram algumas categorias, a expectativa baixou para R$ 43 bilhões.
Ainda assim, meses depois da aprovação da medida, Guedes afirmou que o "congelamento de salários nos deu mais do que qualquer reforma administrativa daria". O governo pretende economizar, ao longo de dez anos, R$ 300 bilhões com a aprovação da reforma administrativa.
A limitação de gasto dos entes subnacionais em relação à folha de pagamento durante a pandemia ainda possibilitou que o resultado primário consolidado do setor público voltasse a ter superávit, interrompendo uma sequência de oito anos de déficit, segundo detalhou o Ministério da Economia na nota informativa "Trajetórias com e sem Reformas: continuidade e aprofundamento da consolidação fiscal".
Outro dispositivo aprovado durante a pandemia, a Emenda Constitucional 109/2021, chamada originalmente de PEC Emergencial, veda em seu artigo 167 reajuste salarial aos servidores caso as despesas obrigatórias de estados e municípios atinjam 95% das despesas totais do governo.
O último reajuste salarial a servidores federais foi aprovado em 2016 e começou a vigorar em 2017, de forma escalonada. Em 2019 foram concedidos reajustes salariais apenas à categoria dos militares.
Taxa de reposição caiu aos menores níveis da história
Outro medida tomada no âmbito do que o governo tem chamado de "reforma administrativa silenciosa" foi a redução significativa da reposição de aposentados no funcionalismo. Segundo dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), a máquina pública federal brasileira entrou em uma trajetória de enxugamento do quadro de servidores a partir de 2018. O total de funcionários ativos do governo federal diminuiu em mais de 60 mil pessoas desde então, de 635,7 mil em abril daquele ano para 574,6 mil em março de 2022 – menor número desde 2010.
A soma de servidores ativos, aposentados e instituidores de pensão passou a diminuir a partir de 2019. No pico alcançado em julho daquele ano, o quadro total beirava 1,278 milhão de pessoas; no mês passado, a soma era de 1,229 milhão, menor número desde 2013.
"Atualmente o país apresenta a menor taxa de taxa de reposição da série histórica, na média dos últimos três anos pouco mais de 11 mil novos servidores foram contratados", informou o Ministério da Economia em nota de julho de 2011. Nos últimos cinco anos, o enxugamento do quadro de servidores públicos federais levou a uma queda de aproximadamente R$ 20 bilhões nas despesas com pessoal, segundo a pasta.
Houve, ainda, desde 2019, um corte de 628 cargos comissionados no funcionalismo, que são de livre indicação – medida que contribuiu de forma mais modesta para o enxugamento da máquina pública. Atualmente, são 22.544 postos dessa natureza, contra 23.172 registrados em dezembro de 2018.
"Não obstante os impactos fiscais, a redução do efetivo público pode promover importantes transformações na economia brasileira por meio do aumento da produtividade e a consequente promoção do crescimento econômico", afirmou o Ministério da Economia na nota de julho de 2011.
Digitalização de serviços públicos
O enxugamento de pessoal têm sido acompanhado pelo avanço da digitalização de serviços públicos por meio do chamado Governo Digital e contribuído para os resultados positivos. Levantamento realizado pelo Banco Mundial mostra o Brasil na sétima posição – entre 198 países – em termos de "maturidade de serviços públicos digitais".
"Nós demos choque de digitalização, muita gente se aposentou, e aumentamos a produtividade [no setor público]", disse Guedes em evento do banco Bradesco. Em outra ocasião, o titular da pasta afirmou que "governos anteriores contrataram 160 mil funcionários e deram aumento de 5% acima da inflação quando tinha o caos instaurado no Brasil".
De todos os serviços existentes do governo federal, 72% já estão digitalizados na plataforma gov.br, com destaque para as soluções digitais de impacto massivo como auxílio emergencial, Meu INSS, seguro desemprego e seguro desemprego do empregado doméstico, carteiras digitais de trabalho e de trânsito e o Pix. Desde janeiro de 2019, a União conseguiu economizar pelo menos R$ 3 bilhões anuais com o processo de digitalização.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom - Ag Brasil
Fonte: Gazeta do Povo