Reforma tributária do Senado pode prever sistema eletrônico de cobrança de impostos

A ideia é permitir que as próprias instituições bancárias separem a cobrança do valor do tributo


21/02/2022 - 07:52

O senador Roberto Rocha (PSDB-MA) propõe em seu parecer da PEC (proposta de emenda à Constituição) 110, da reforma tributária, um sistema eletrônico de cobrança de impostos sobre consumo.

A ideia é permitir que as próprias instituições bancárias separem a cobrança do valor do tributo, sempre que houver transação financeira ou quitação de boleto atrelada a uma nota fiscal de bens ou serviços.

Os bancos repassariam os valores referentes a impostos à administração pública. Segundo o senador, não se trata de um tributo sobre transações, nos moldes da antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), porque a cobrança está vinculada à emissão de nota fiscal.

Hoje, são os próprios comerciantes e prestadores de serviços que precisam declarar os valores das notas fiscais e realizar o pagamento dos impostos, o que abriria margem à sonegação, segundo o senador. Com a vinculação entre as informações das notas e das transações bancárias, a intenção é reduzir a brecha.

O parecer da reforma tributária voltou ao centro das discussões após o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), incluir a PEC na pauta da próxima sessão da comissão, na quarta (23).
Alcolumbre diz acreditar que a sessão vai ser destinada inicialmente apenas para a leitura do relatório, pois considera que haverá pedidos de vista para aprofundar as discussões. A votação, portanto, deve ficar para as primeiras semanas após o Carnaval.

Ao deixar uma reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta quinta (18), e com um grupo de varejistas, Rocha disse que há compromisso para que a PEC seja votada no plenário pelos senadores no mesmo dia em que for aprovada na CCJ.

A votação da reforma tributária ampla é uma aposta de Pacheco para a agenda legislativa de 2022, após essa pauta ter gerado embates com o governo e também com a Câmara dos Deputados, que tinha preferência por outra PEC, de autoria do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP).

O presidente do Senado é pré-candidato ao Palácio do Planalto.

Apesar disso, o próprio relator admite dificuldades em avançar na matéria. “Se tivermos muita sorte, a gente vota no Congresso neste ano e promulga a PEC. Por que estou falando em sorte? Por que daqui a pouco a gente entra em pré-campanha, se já não entrou. No Senado a gente vai votar, até porque semana que vem a gente começa. O que a Câmara vai fazer, aí eu não sei”, disse Rocha à reportagem.

A versão mais recente do parecer prevê a substituição dos principais tributos sobre o consumo por um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, segregado em duas esferas: uma federal e outra estadual e municipal.
No plano federal, os atuais PIS/Cofins seriam substituídos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), cujo projeto de lei foi enviado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) em 2020.

Já na esfera regional, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços) seriam ambos substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Os estados e municípios teriam autonomia para fixar suas próprias alíquotas, mas a legislação seria unificada, e a cobrança seria feita apenas no destino de cada mercadoria ou serviço.

A reforma ainda prevê a substituição do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) por um Imposto Seletivo sobre cigarros, fumo, bebidas alcoólicas, ou outros produtos que venham a ser considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, conforme regulamentação.

O relator da PEC defende a aprovação de uma “reforma tributária tecnológica”. Em uma das frentes, Rocha inclui na reforma a possibilidade de tributar o consumo de bens imateriais, o que abre caminho para a cobrança de impostos sobre bens e serviços ligados à economia digital, que hoje não são tributados.

Em outra vertente, o texto abre caminho para a criação de um sistema eletrônico de cobrança dos impostos sobre consumo, a ser regulado por meio de lei complementar.

“Atualmente a gente pode rastrear o produto, mas também o dinheiro”, afirmou Rocha, para quem o sistema reduziria a sonegação. Ele lembra que, com a inclusão bancária de milhões de brasileiros após o pagamento do auxílio emergencial, durante a pandemia de Covid-19, essa migração é ainda mais relevante.

“A partir de agora, temos 70 milhões de brasileiros com conta bancária, de tal modo que podemos fazer, sim, um sistema tributário moderno, eletrônico, onde você pode aumentar muito a base de arrecadação de contribuintes, diminuindo a carga tributária”, disse o senador.

O modelo usado por Rocha como inspiração foi idealizado pelo empresário Miguel Abuhab, fundador da Neogrid, uma empresa de tecnologia.

Em março de 2020, Abuhab explicou que seu sistema permitiria registrar em um boleto, por exemplo, quanto do valor pago pelo consumidor ou por uma empresa iria para o fornecedor e quanto seria recolhido para os cofres do governo.

O mesmo valeria para transferências ou pagamentos com cartão vinculados a uma nota fiscal.

Em todos os casos, ao pagar a compra, o dinheiro seria dividido entre o crédito para o lojista e a parcela do governo.

O empresário chama esse modelo de cobrança compartilhada.

O formato não seria como uma cobrança da extinta CPMF, nem como o imposto sobre transações defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que incidiria sobre qualquer transferência bancária. A intenção de Guedes com o novo imposto era substituir a contribuição sobre a folha de pagamentos.

Interlocutores do governo ouvidos pela reportagem afirmam que há resistências por parte da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) à implementação deste modelo. Por isso, as chances de adoção do sistema são consideradas remotas.

Procurada, a Febraban disse que a reforma tributária “deve ser uma das prioridades da agenda econômica do país” e que o sistema atual é um entrave para o crescimento. “Por isso, o setor defende a construção do novo sistema tributário que seja simples, equilibrado e transparente”, disse.

“Nesse sentido, seja qual for o modelo de recolhimento adotado, é preciso assegurar que não gere aumento de custos e sistemas complexos. A Febraban está aberta a participar e contribuir para o debate dessa questão”, afirmou a entidade.

Abuhab confirmou à reportagem que houve reserva por parte da federação. “De fato teve uma resistência à mudança”, disse.

Segundo ele, a proposta atual, porém, usa tecnologia que algumas instituições já disponibilizam, como a possibilidade de separar valores em um mesmo boleto bancário. As operadoras de cartões, por sua vez, teriam de fazer adaptações, reconhece o empresário.

Fonte: Jornal de Brasília

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