A acusação de ingerência política na administração tributária gerou crise na Receita Federal e resultou no pedido demissão do responsável pela área de fiscalização do órgão. O principal ponto da polêmica é o Refis – programa destinado a regularizar tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e INSS. Frise-se que não se trata de iniciativa isolada da União. Vários Estados, Rio de Janeiro inclusive, acabam de celebrar convênios com idêntica finalidade: estabelecer condições favoráveis aos contribuintes dispostos a quitar seus débitos em atraso.
Em regra, tal iniciativa é proposta pelas autoridades de olho em um providencial e urgente reforço de caixa. Os contribuintes inadimplentes agradecem a anistia de multas e juros conjugada com parcelamentos das dívidas a perder de vista. Nem todos, entretanto, aplaudem: alguns técnicos envolvidos no recente debate público da questão qualificaram o benefício de incentivo à sonegação por favorecer aqueles que deixaram seus impostos atrasados.
É inegável que anistias são indesejáveis por conceder privilégios àqueles em débito com o fisco. Coloquemo-nos no lugar daqueles que, com sacrifício, pagaram cada centavo devido. Não é fácil convencê-los da justeza desses benefícios. Entretanto, não se pode qualificar como sonegadores todos aqueles que atrasam o pagamento de impostos e taxas. Se alguns ocultaram com fraude ou astúcia o pagamento de impostos, a grande maioria têm nas dificuldades de seus negócios a principal causa de descumprimento da legislação tributária. Desta forma, definir como "incentivo à sonegação" um instrumento legal capaz equacionar problemas financeiros dos agentes econômicos públicos e privados não é boa premissa para conduzir o debate sobre o tema. Essa discussão, convenhamos, merece ser travada de forma menos preconceituosa. Deve, também, romper o restrito círculo de técnicos e políticos envolvidos na sua concepção, elaboração e aprovação. Quem banca essa conta é a sociedade, nada mais natural que possa ter elementos para tirar suas próprias conclusões.
A transparência é o caminho mais sensato para que o cidadão compreenda, aprove ou reprove as anistias e outros benefícios fiscais. É bem verdade que o sigilo fiscal limita as possibilidades de se saber a questão mais reveladora: quais contribuintes se beneficiaram e o montante individualizado dos benefícios. Entretanto, muitos dados podem ser apresentados nesse esforço de democratização de informação sem qualquer ofensa à privacidade dos contribuintes. Para começar, dar ampla divulgação aos valores arrecadados e, principalmente, renunciados. Além disso, prestar informações agregadas por setores econômicos, regiões ou tipos de tributos ajudariam a traçar um panorama geral dos benefícios. Ajudaria, também, mostrar celeridade na cobrança e rigor no controle dos beneficiados. O compromisso com a transparência e eficiência minimizariam a possibilidade de que contribuintes mal intencionados se valessem das anistias para empurrar com a barriga suas dívidas tributárias.
Nenhuma administração tributária deve se envergonhar de propor ou apoiar anistias e benefícios fiscais. Deve se envergonhar, sim, de não fornecer elementos suficientes para que os cidadãos avaliem se os benefícios dela decorrentes foram superiores ao seu custo financeiro e social. Somente a transparência permitirá uma avaliação equilibrada se decisões das administrações tributárias decorrem de ingerências externas ou da saudável e necessária interação política entre o poder público e a sociedade e seus representantes.
Ricardo Brand
Presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual do Rio de Janeiro
O GLOBO – 24/12/2013