10/01/2023 - 17:10
Estados brasileiros perderam mais de R$ 100 bilhões com a sonegação fiscal de postos de combustíveis nos últimos anos, estima o Instituto Combustível Legal (ICL), entidade criada em 2016 para promover combate ao comércio irregular e que tem entre as associadas grandes redes de distribuição, como Vibra, Raízen e Ipiranga. Recuperar esse valor amenizaria perdas causadas pelo teto da alíquota de ICMS, avalia Emerson Kapaz, novo presidente-executivo da entidade. O valor corresponde à dívida ativa acumulada pelos postos – alguns com mais de dez anos.
Estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que R$ 26 bilhões são perdidos anualmente com sonegação, fraudes e inadimplências. Desse total, R$ 14 bilhões são relativos a fraudes contábeis e inadimplência tributária, como a chamada “barriga de aluguel” – empresa criada em nomes de “laranjas” para ocultar evasão fiscal. Outros R$ 12 bilhões correspondem a fraudes operacionais, como o conhecido “chip na bomba”, que fornece menos combustível para o consumidor do que o indicado no visor do equipamento. A recuperação da parte sonegada aos 27 entes fica em 1% do total, diz Kapaz.
Kapaz, que assumiu o comando do ICL em dezembro, tem como missão intensificar ações que reduzam práticas ilícitas numa rede que soma 42 mil estabelecimentos em operação no país. Uma das principais medidas do novo governo esperadas pelo ICL, destacou, é a condução de uma reforma tributária que garanta a monofasia – regime tributário em que a aplicação do imposto se dá uma única vez sobre toda a cadeia – estabelecida pela Lei Complementar 192.
Kapaz disse que busca uma reunião com o secretário especial para a Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, para tratar do tema. Para Kapaz, a lei complementar simplifica a tributação, mas a entidade quer evitar medidas que abram espaço para a sonegação. A monofasia, acrescentou, facilitou a fiscalização tributária, empurrando sonegadores para outras atividades ilícitas, especialmente a adulteração.
Aurélio Amaral, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e sócio do Schmidt Valois Advogados, disse que o ideal seria uma discussão no âmbito da reforma tributária, diante do fato de que diferenças entre Estados geram distorções que abrem espaço para sonegação. Afirmou que o setor de combustíveis tem alto faturamento com margens pequenas. Além disso, o segmento corresponde à segunda maior arrecadação de impostos.
O setor de distribuição de combustíveis fatura cerca de R$ 750 bilhões por ano e gera R$ 170 bilhões em tributos, estima o ICL. “Tributos diferentes geram concorrência entre Estados”, disse Amaral. O teto do ICMS fixado pelo governo Bolsonaro como parte dos esforços para limitar alta de preços dos combustíveis é um outro desafio para o setor. As alíquotas foram limitadas em 17% a 18%, de acordo com outra lei complementar, a 194.
Mas mesmo assim pelo menos 11 Estados elevaram a alíquota de ICMS, mesmo que a lei considere o combustível um produto essencial. Alguns, inclusive, recorreram ao Judiciário, alegando não ser atribuição federal legislar sobre o ICMS.
“Temos que simplificar a vida do contribuinte”, disse Kapaz. Carlo Faccio, diretor do ICL, salientou que uma diferença tributária de 2% “já começa a ter apetite para a irregularidade tributária”, pois equivale a uma diferença de R$ 0,06 a R$ 0,12 por litro, talvez correspondente à toda a margem do setor. A diferença de ICMS entre Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, era de nove pontos percentuais, ou quase R$ 1 por litro a menos em São Paulo, destacou.
Para o ex-diretor da ANP Felipe Kury, a redução do ICMS pode ter desincentivado a sonegação, mas para desestimular a prática de vez seria necessário criar forças-tarefas entre ANP e secretarias de Fazenda. “A tributação em alguns Estados era incentivo para quem queria sonegar”, disse Kury.
O ICL também espera que seja aprovada a criação da figura do devedor contumaz, estabelecida pelo Projeto de Lei 164/2022, de autoria do senador Jean-Paul Prates (PT-RN), que ajudaria a tirar do mercado concorrentes desleais, que operam com preços mais baixos porque simplesmente não pagam impostos, afirmou Kapaz.