Superávit primário perde espaço como parâmetro




24/07/2013 - 00:00

No final dos anos 1990 e ao longo da década seguinte, o superávit primário era o principal termômetro da saúde financeira do País. Dado pela diferença entre receitas e despesas do governo, exceto os gastos com juros da dívida, ele era a principal medida sobre a capacidade do País de honrar seus compromissos financeiros, o que não era pouca coisa numa época em que o Brasil dependeu de recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI) para fechar suas contas. Mas, distorcido pela contabilidade criativa do governo, o superávit primário vive hoje dias de desprestígio.
Pesquisa informal feita há alguns dias durante reunião onde havia 30 economistas-chefes de bancos mostrou que apenas quatro ou cinco ainda olham o dado com atenção. Na maior parte dos casos, as instituições mantêm o registro, mas encontraram outras formas para acompanhar a política fiscal.
A despeito disso, o governo se esfalfou durante um mês para definir um corte de R$ 10 bilhões no Orçamento de 2013, de forma a atingir um saldo de R$ 110,9 bilhões em dezembro, o equivalente a 2,3% do PIB. O corte, formado basicamente pelo adiamento de despesas obrigatórias, foi mal recebido pelos economistas privados, o que não surpreendeu o governo.
No passado, quando o saldo primário era acompanhado com lupa, ele tinha o poder de influenciar as expectativas, ou seja, seu aumento ou redução era levado em conta nas projeções sobre o comportamento da economia. Hoje, esse alcance está muito limitado.
“É um primário que não serve para nada”, diz o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, que não estava na tal reunião. Ele próprio encontrou outra forma de acompanhar o desempenho das contas públicas. Em vez do saldo primário, ele analisa principalmente o comportamento das despesas.
Esse método, explica o economista, permite acompanhar os efeitos da política fiscal sobre a atividade econômica e a inflação. Não serve para a finalidade clássica do superávit primário, que é a capacidade de pagamento da dívida. Esse tema não é foco de preocupação muito grande por parte dos analistas. Há quem olhe com nervosismo a evolução da dívida bruta, mas o tema não é tratado como algo gravíssimo.
“Olhando o quadro consolidado, a situação fiscal do Brasil não é descontrolada”, diz o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Antonio Corrêa de Lacerda. “Mas o governo paga um preço de pouca credibilidade por causa da contabilidade criativa.” Ele avalia que as medidas nessa área são “mal realizadas e pessimamente comunicadas.”
A consultoria Tendências criou um cálculo próprio do saldo das contas públicas, o Primário Efetivo Tendências (PET). Ele procura “limpar” o resultado dos efeitos da contabilidade criativa. Por exemplo: não considera, no lado das receitas, os dividendos. E, do lado das despesas, desconta os gastos com subsídios. Em maio, o PET mediu 1,25% do PIB, ante 1,95% do PIB do resultado oficial. A diferença é de R$ 31,8 bilhões, diz o economista Felipe Salto, da consultoria.

 

 

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