Uma análise da proposta de Reforma Tributária
Essa reforma não inclui os impostos sobre consumo, origem de distorções sociais importantes, pois as classes de renda mais baixas consomem, proporcionalmente, grande parte de sua renda em bens e serviços essenciais. Em relação ao IR das pessoas físicas, houve algumas propostas interessantes
.
Semana retrasada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, levou ao Congresso o esboço do PL da reforma tributária do governo. Neste texto, pretendo discutir alguns itens, atentando que, muito provavelmente, a proposta sofrerá alterações ao longo de sua tramitação.
Em primeiro lugar, essa reforma não inclui os impostos sobre consumo, origem de distorções sociais importantes, pois as classes de renda mais baixas consomem, proporcionalmente, grande parte de sua renda em bens e serviços essenciais. Essa está apartada. A que aludo aqui atinge o imposto de renda (IR) de pessoas físicas e jurídicas, além de incluir operações no mercado financeiro.
Em relação ao IR das pessoas físicas, houve algumas propostas interessantes. Logo de cara, tivemos a correção da tabela, base de cálculo para o desconto mensal, por exemplo, dos assalariados. Essa alteração, que isentará holerites inferiores a R$ 2,5 mil, embora positiva, ficou aquém da promessa de campanha do presidente Bolsonaro, que acenava com R$ 5 mil. Ainda em relação às pessoas físicas, a opção pelo desconto simplificado foi reduzida para montantes anuais inferiores a R$ 40 mil, o que foi visto com ressalvas.
Voltando aos aspectos favoráveis, o governo irá permitir um ajuste nos valores dos imóveis que, nas nossas declarações, está escriturado pelo valor nominal, aquele da compra, pois não são permitidas atualizações pela legislação vigente, o que eventualmente provoca, na hora da venda, uma grande distorção no ganho de capital e pagamento de imposto elevado.
Com a proposta, poder-se-á corrigir o valor, pagando uma alíquota, nessa atualização, de 5% (não foi especificado se o novo valor será o “de mercado” ou se haverá um índice para reajustar). Lembremo-nos que muitos investem em imóveis.
Para as empresas, a proposta traz algumas simplificações, e a redução da alíquota do IR em 5 pontos percentuais (no primeiro ano 2,5 pontos percentuais e no segundo mais 2,5 pontos percentuais). Para as maiores empresas, o IR ficará, ao final, com alíquota de 20%, dos atuais 25%, acrescido dos 9% de CSSL, que não foi alterada. Um ponto negativo foi aquele que “acaba” com o benefício fiscal associado ao expediente de distribuir lucros através dos juros sobre capital próprio, muito usado, por exemplo, pelos bancos e algumas grandes empresas do nosso país.
Em relação aos investimentos foram muitas as sugestões de mudanças, sendo, em minha visão, as principais: 1) fim da isenção no recebimento de dividendos, que passam a ser tributados em 20%; 2) unificação das alíquotas de IR em 15% para fundos e operações de renda fixa e variável, incluindo o day trade; 3) fim da isenção nos fundos imobiliários; 4) fim do “come cotas” de maio, mantido o de novembro e 5) fim da isenção nos fundos exclusivos fechados, que passam a ter “come cotas” (exceto ações).
Sobre o impacto das mudanças em operações em bolsa, creio que a sugestão de acabar com a distinção entre day trade e swing trade, para poder descontar as perdas nessas operações indiscriminadamente, é positiva. Ademais, como o prazo de prestar contas com a Receita Federal passa de mensal para trimestral, penso que as operações de day trade tendam a ser beneficiadas.
Já no quesito dividendos, temos um ponto absolutamente relevante. Com a proposta de taxação em 20%, e alíquota de 29% (20% IR mais 9% CSSL) da PJ, o total composto fica pouco acima de 43%, enquanto esse número está em torno de 41% na média dos países da OCDE, o que é ruim sob esse ponto de vista comparativo.
A título de exercício, para que o patamar vigente de 34% ocorra doravante será preciso que a empresa distribua (payout) 35% dos lucros para seus acionistas. Além disso, com a taxação de 20% nos dividendos há uma perda de quase 14% no dividend yield (DY) em relação à isenção atual. O DY é aquela relação entre dividendo e preço da ação, uma das métricas que os investidores observam para comprar a ação de uma empresa.
Um dos problemas de tributarmos os dividendos, como proposto, recai sobre a alíquota única de 20%, o que torna o sistema não progressivo. Tanto pequenos e grandes acionistas (excetuam-se pequenos empresários em R$ 20 mil mensais) recolherão proporcionalmente iguais. Talvez a introdução de faixas pudesse atenuar essa situação.
Para encerrar, um ponto muito polêmico, em meu entendimento, tem a ver com fundos imobiliários, que perdem a isenção. Como foi uma classe de fundos incentivada nos últimos anos, muitos investidores estão insatisfeitos. Creio que esse tema, bem como a alíquota de 20% sobre os dividendos, que o ministro Paulo Guedes diz que ajudará a dar uma repaginada no bolsa família, trarão muitas discussões no Congresso. Ou seja, tem muita água para passar debaixo dessa ponte...
Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Órama e prof. IBMEC-RJ
Fonte: Valor Investe